16. 𝐒𝐞𝐮𝐧𝐠𝐰𝐚𝐧

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Hoje é um dia daqueles. No mau sentido. Na noite passada, tive pesadelos seguidos, a dor na perna foi insuportável e não consegui dormir.

Estou evitando Joohyun ao máximo. Digo a mim mesma que é porque não a quero por perto. Mas, na verdade, ela tem o hábito irritante de espantar o meu mau humor. Isso me assustada pra caralho.

Ainda falta um pouco pra amanhecer, e normalmente iria encontra-la para nossa corrida/caminhada diária. Hoje, no entanto, vou deixá-la ir sozinha. É um desses dias em que sinto que não mereço estar viva, muito menos aproveitar o dia ao lado de uma garota linda. Não quando minhas amigas estão mortas. Não quando Momo dorme várias noites na cadeira de um hospital para acompanhar sua irmã, que fica deitada na cama conectada a uma porção de tubos.

Da janela do escritório, vejo que Joohyun procura por mim. Espero que comece a correr sozinha, mas ela não faz isso. Só fica parada ali, me esperando. Até sinto um pouco de vontade de ir encontrá-la. Quero que me convença a caminhar ou, como tem feito recentemente, me desafie a dar alguns passos sem a bengala. Giro meu corpo dando as costas para a janela, virando distraidamente as páginas do livro até que ela vai embora.

Eu me dirijo até a academia antes que ela volte. Na maior parte dos dias, vamos juntas. Criamos uma rotina. Eu aceito fazer os exercícios idiotas para a perna, e ela me conta alguma coisa sobre si mesma. Em geral, eu gosto, embora suas respostas pouco comprometedoras me cansem um pouco. Até agora, ela não me disse absolutamente nada sobre a verdadeira Bae Joohyun.

Hoje, no entanto, quero continuar mal-humorada.

Ultimamente, tenho esquecido que eu sou com certa frequência. Tenho voltado a ser a velha Seungwan, aquela que paquerava e ria na frente das garotas. Preciso de um dia para lembrar quem é a nova Seungwan, que deveria ter morrido com as outras meninas naquela porra de caixa de areia.

Depois da academia, é fácil evitar Joohyun pelo resto do dia.

Quando são quatro horas, no entanto, eu hesito. De toda a rotina que estabelecemos, é da parte da leitura diante da lareira que eu mais gosto. E é por esse motivo que eu me forço a trancar a porta e ligo a música no volume máximo, de modo que não seja possível ouvi-la bater ou girar a maçaneta.

Uma hora passa, depois outra, e eu me perco no livro.

Mas, quando meu estômago ronca, percebo meu erro: estou com fome. Achei que Joohyun deixaria uma bandeja do lado de fora do quarto, quando me chamou para o almoço e não respondi. Foi inocência minha. A mensagem era bem clara: se quiser passar o tempo sozinha emburrada, vai ficar sem comida.

Não foi um problema no café. Nem no almoço. Mas agora eu estou morrendo de fome, e meu estômago não consegue ignorar o cheiro de carne apimentada vindo da cozinha.

Como esperado, Joohyun estava lá, só que não está usando um avental fofo e nem parece atrapalhada jogando ingredientes numa panela. Ela está vestindo uma calça preta, botas de salto e uma blusa que parece bem cara, daquelas que não são feitas para ficar em casa à toa. Essa não é a Joohyun caseira. É a Joohyun pronta para sair.

- Vai a algum lugar? - pergunto, desviando os olhos da sua bunda.

Ela se volta para mim, abrindo a boca como quem vai perguntar onde estive o dia todo, mas interrompe logo esse movimento e dá um sorriso vago.

- Oi. Espero que goste de chili - ela diz. - Está um pouco apimentado, mas o cheddar em cima deve compensar.

- Sem problemas - garanto, notando que ela passou até maquiagem. - Tem um encontro? - pergunto, tentando tirar alguma coisa dela.

- É - ela confirma com uma careta. - Conheci tantas garotas ótimas desde que estou presa aqui nesta casa. Do tipo hospitaleira e receptiva.

Tento me aproximar com a desculpa de olhar a panela no fogo, mas ela se afasta antes que eu chegue mais perto. Garota esperta. Ela pega sua bolsa.

- Aonde você vai? - Eu me odeio por perguntar. Por me importar.

- Solar disse que tem um bar não muito longe daqui que pode me agradar. E que você conhecia uma garota que trabalha lá. - Joohyun apoia a alça da bolsa no ombro.

- Lee Siyeon - digo, automaticamente. - E pra que você vai lá?

- Tenho duas noites e um dia livre por semana - Joohyun retruca. - Finalmente vou aproveitar.

- E por que não aproveitou até agora?

- Porque sempre pude conversar com a Solar ou Kai enquanto você estava em um dos seus surtos infantis.

- Não são surtos. Tenho o direito de ter um tempo pra mim.

- Bom, então você entende por que preciso sair desta casa. Eu preciso dar um tempo. De você. - Ela abre um sorrisinho condescendente e se aproxima como se fosse dar um tapinha na minha bochecha. Pego seu pulso e aperto. Forte.

- Não. Me. Toca. - eu aviso, entredentes. Nunca.

Eu a solto com tanta força que ela quase cai para trás, perdendo o equilíbrio sobre os saltos. Xingo e estico a mão para ajudá-la, mas Joohyun dá um passo para trás, evitando o meu toque. Deixo minha mão cair ao lado do corpo. Não posso culpa-la por se afastar, mas odeio isso mesmo assim...

Sou um monstro.

- Bae...

- Não - ela diz, baixo. - Eu não devia ter feito isso. Desculpa.

Ela se abaixa para alcançar a bolsa que caiu e reconhece as chaves que estão sobre o balcão.

- Kai disse que eu podia pegar um dos carros. Não vou demorar, mas estou com o celular se precisar de alguma coisa. - Ela se dirige para a porta.

- Espera... - falo, me aproximando. - Joohyun para e me olha por cima do ombro.

- O que foi?

- Eu...

Não tenho ideia do que estou tentando dizer. Não sei se quero pedir pra que fique em casa comigo, pra que se divirta no bar ou algo mais terrível e inimaginável, pra que me leve junto.

Me leva pra sair numa sexta à noite, pra ficar em meio às pessoas, à cerveja, às risadas, à musica péssima e à minha velha amiga Siyeon.

Mas não falo nada disso, muito menos a última parte. Eu não saio mais.

- Obrigada pelo jantar - solto, de modo brusco. Dessa vez ela nem se vira.

- Só estou fazendo meu trabalho, Son.

𝐋𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐌𝐄 𝐔𝐏 [𝐖𝐄𝐍𝐑𝐄𝐍𝐄]Onde histórias criam vida. Descubra agora