22. 𝐒𝐞𝐮𝐧𝐠𝐰𝐚𝐧

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Joohyun deveria estar puta comigo.

Até poucas horas atrás, eu teria jurado que estava. Mas agora a coisa mudou, e não gosto disso. Não confio no perdão não merecido E o mais estranho é que sempre soube como agir com elas. Não vou fingir que lia a mente feminina ou coisa do tipo, mas é claro que sei que "tudo bem" não quer dizer que está tudo bem, e que, se você pergunta a uma mulher se pode cancelar um encontro pra ir a um jogo de beisebol com seus amigos, ela provavelmente vai dizer "vá em frente", o que significa que você é uma pessoa morta.

Tive algumas namoradas. Só uma de fato séria. Tanto que a gente tentou manter um relacionamento à distância quando fui para o Afeganistão. Ao voltar, uma enfermeira cheia de boas intenções me contou que Jihye tinha ido me visitar. Uma vez.

Na verdade, não a culpo por ter sumido depois de ver meu rosto destroçado. Minhas cicatrizes são feias agora, mas, quando as feridas ainda não tinham fechado, eram simplesmente grotescas. Meu pai mencionou que Jihye casou com o filho de um dos seus vice-presidentes e teve gêmeos. Não sei se ele achava que essa informação ia causar algum efeito em mim, o fato é que não senti muita coisa quando me contou.

A questão é: eu costumava entender as garotas. Mas isso que está acontecendo com Joohyun é totalmente diferente. Em algum momento, ela parou de me tratar como se eu fosse uma bomba prestes a explodir. Começou a ser mais amistosa. Isso não significa que não estivesse sendo simpática antes.

Durante as semanas seguintes, depois que basicamente a chamei de prostituta inútil e joguei a ex em sua cara, fazendo-a chorar no quarto sozinha (se existe uma competição de babaquice, eu ganharia a medalha de ouro), Joohyun não fez o óbvio de dar gelo em mim, e eu a respeito por isso.

Apesar de ter sido perfeitamente educada, as coisas mudaram. A conversa ficou mais rasa. Ela nunca mais me tocou, nem por acidente. Passou a evitar o contato visual prolongado, e começou a "ler sozinha" à tarde, para poder se concentrar. Eu deveria estar feliz. Conquistei a distância almejada. Deveria ser como um prêmio. Mas parece muito mais uma punição.

Sinto sua falta.

Mesmo assim, um alarme disparou na minha cabeça. Porque, sem nenhum aviso, a antiga Joohyun voltou. E eu estou simplesmente aliviada. Seus dedos compridos e finos aparecem à frente do meu rosto e estalam três vezes, depressa.

- Ei, Son. Um bebê consegue fazer mais agachamentos que você. Foco.

É isso que quero dizer. A velha Joohyun. A versão saidinha que não me trata como uma inválida. Estamos na academia, e ela está bancando a personal trainer durona, o que é irritante e fofo ao mesmo tempo.

Seu cabelo está preso em um rabo de cavalo alto e perfeito, que lembra um pouco uma líder de torcida, e ela usa roxo em vez de rosa. A não ser pelos tênis, que ainda são pink. Ela insiste em calçar os antigos quando não vai correr, porque tem um limite para aceitar se parecer como uma "mendiga", segundo suas palavras.

Mas não importa o que ela está usando agora, porque conseguiu o que queria. Estou fazendo agachamentos. E com peso. Não muito, e nem perto do que eu conseguia antes da emboscada. Mas o movimento firme e repetitivo de agachar e levantar não é algo que eu achei que conseguiria fazer.

Minha perna nem dói. Não muito. Volto a me concentrar. Sob o olhar de Joohyun, faço as últimas repetições da série. Ela sorri, fazendo tudo valer a pena.

-Como se sente?

-Um lixo - digo, fazendo o melhor para resistir a seu bom humor. Joohyun se aproxima. Eu recuo, mas o aparelho está logo atrás de mim. A safada me encurralou. Ela chega perto, me atormentando.

- Mentirosa - Joohyun diz. - Você gostou e sabe disso.

Droga.

Ela está falando dos exercícios ou da proximidade? Porque um é o máximo, mas o outro é uma espécie de agonia. Seus olhos passam pelos meus lábios por um momento antes que se afaste. Meus olhos se estreitam. Ela está planejando alguma coisa.

- Imagino que não vá conseguir convencer você a se juntar a mim na ioga, né? - ela pergunta, girando os ombros como se quisesse soltá-los.

- De jeito nenhum - murmuro. - Não tenho nada contra ioga. Mas assistir a você fazendo ioga é muito mais interessante do que praticar.

Uma sombra passa por seus olhos, e eu sorrio satisfeito. Também posso fazer esse jogo. Quando ela termina de desenrolar seu tapetinho - rosa - e faz as posturas que agora me são familiares, fica claro quem está ganhando. Observar Joohyun fazer ioga é mesmo interessante, mas também um tormento. É só minha imaginação ou ela está mantendo a postura do cachorro olhando para baixo por mais tempo que o necessário? E tenho certeza de que nunca vi essa posição em que ela arqueia as costas desse jeito.

Droga.

Quando ela se contorce numa posição em que agarra os próprios tornozelos já estou suando. Será que tem uma posição de ioga que envolve seu corpo embaixo do meu, as mãos acima da cabeça e o uso opcional de roupa? Porque aí eu poderia reconsiderar a oferta. Joohyun toma o cuidado de me ignorar. Eu a ignoro de volta e vou encher minha garrafa de água. Ela enfia o tapetinho debaixo do braço e vamos juntos em direção à porta.

- Então... - Joohyun diz, com tranquilidade e doçura. Doçura demais. Levanto a guarda instantaneamente, enquanto seguro a porta da academia pra ela. Lá vem. O que ela está tramando vai vir à luz.

- Tem tido pesadelos ultimamente? - ela pergunta. Fico ainda mais tensa.

- Não.

É mentira, e sei que ela sabe. Seus lábios se estreitam de decepção quando não digo mais nada, mas o que ela estava esperando? Achava que bastava balançar a bunda e me convencer a fazer exercícios pra que eu desabafasse com ela? Joohyun se recupera rápido.

- Tá. Próxima pergunta. Por que disse aquilo sobre Jennie, na frente do seu pai? - Quase engasgo com a água. Bela mudança de assunto.

- Porque sou uma cretina - digo, olhando para ela de relance.

- Isso é verdade - ela diz, conforme nos aproximamos da casa.

Provavelmente está esperando por um pedido de desculpas, mas não estou no clima. Joohyun não me pergunta mais nada, mas continuo tensa, certa de que estou perdendo alguma coisa. Duas questões não relacionadas feitas uma atrás da outra, mas sem me pressionar para que eu responda direito? Não parece coisa dela. O que será que está querendo agora?

Assim que entramos, ela se dirige de imediato pra escada. Ainda perdida em meus pensamentos, começo a segui-la, ainda de olho na sua bunda, porque, afinal, ela está de legging. Isso e os dois anos de celibato. Meu pai sabia exatamente o que

estava fazendo quando me mandou uma garota de vinte e poucos anos pra me ajudar na minha "recuperação".

Joohyun vira de repente, e sou pega no pulo, mas nem ligo. Ela está um degrau à minha frente, então tenho que olhar pra cima, e levanto as sobrancelhas enquanto espero. Lá vem. O super trunfo.

- Ei, acabei de perceber uma coisa - ela diz. Reviro os olhos.

Ah, é.

- E daí? - Seus olhos brilham em triunfo.

- A bengala. Você esqueceu na academia.

A observação casual me faz dar um passo para trás na escada. Ela está certa. Fico parada ali mesmo, enquanto ela continua a subir. Não consigo me mexer. Quase não consigo respirar. Joohyun está certa. Vim até aqui não apenas sem a bengala,

como não percebi que estava sem ela. Deveria ser um alívio, mas não consigo afastar um pressentimento sombrio. Não importa pra onde eu olhe, as paredes estão caindo. E essa garota continua despertando em mim a coisa mais perigosa do mundo.

Esperança.

𝐋𝐈𝐆𝐇𝐓 𝐌𝐄 𝐔𝐏 [𝐖𝐄𝐍𝐑𝐄𝐍𝐄]Onde histórias criam vida. Descubra agora