Cena II

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MARTA, e MARGARIDA, que entra azafamada com um cofre escondido

MARGARIDA

Pode-se entrar?

MARTA

Pois não!

MARGARIDA

Venho fora de mim, Senhora Marta!

MARTA

O que é,
menina? que tens tu?

MARGARIDA

Mal posso ter-me em pé.

MARTA

Pois senta-te!

(Margarida senta-se)

Que tens? que foi?

MARGARIDA

No guarda-fato
outro cofre. Este agora é de ébano. O aparato
das jóias que ele encerra é tal, que em brilho e preço
deixa a perder de vista o primeiro adereço.

MARTA

Agora desta vez cautela e mais cautela!
Tua mãe que o não sonhe! A beatice dela
já tu viste onde chega. O confessor matreiro
fazia deste achado o que fez do primeiro.

MARGARIDA (abrindo no regaço o cofre, e tirando de dentro um afogador de brilhantes)

Veja só isto, veja, e diga-me...

MARTA (que à proporção que fala, vai enfeitando Margarida com as jóias, enquanto esta se está narcisando ao espelho)

O que eu digo,
Margaridinha, é só que à fé que anda contigo
fada de bom condão.

MARGARIDA

Pois sim, mas que me presta
possuir estes dons? Numa ocasião de festa
eu não os posso pôr, nem ir com isto à rua.

MARTA

Que importa? Nesta casa estás como na tua.
Podes vir para cá as vezes que te agrade;
fechamo-nos por dentro; estás em liberdade;
pões em cima de ti as tuas jóias ricas;
e o espelho te dirá que linda que não ficas,
passeando a espanejar-te uma hora, se quiseres,
vendo-te nele a flor e a inveja das mulheres.
Muito hemos de folgar; verás. Depois, lá vem
certas ocasiões em que parece bem
pôr mais um dixezinho, agora uma corrente,
depois uns brincos bons, sem que se espante a gente.
A pouco e pouco assim, todos os teus asseios
irão saindo à praça. E rir de vãos receios!
Lá enquanto à mãezinha, adeus; tão enlevada
vive nas orações, que não repara em nada.
E também que repare, embutes-lhe uma peta.

MARGARIDA

Mas quem poria lá no armário esta boceta,
e já também a outra? Aqui anda bruxedo,
por força, e não dos bons. Eu fino-me de medo.

(Batem à porta. Margarida estremece.)

Jesus! Se é minha mãe:

MARTA (levantando a cortina da janela, e olhando para fora)

É um desconhecido.

(Vai à porta e abre)

Pode entrar.

O Fausto (1790)Onde histórias criam vida. Descubra agora