Cena III

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OS MESMOS. Sai do corredor um bando de ESPÍRITOS, cantando

ESPÍRITOS

(Ao som dos seguintes cânticos, Fausto, que se havia sentado na sua cadeira, vai a pouco e pouco descaindo no sono)

Some-te, abóbada
torva e sombria!
Éter cerúleo,
verte a alegria
neste lugar!
As nuvens sumam-se!
Brilhar, cardumes
dos sois noctívagos!
Suaves lumes,
brilhar! brilhar!
Lindezas célicas,
cercai este homem
com danças lânguidas
que todo o tomem
de almo langor.

Co'as vossas túnicas,
lindezas puras,
velai no tácito
das espessuras,
ninhos de amor,
onde, abraçando-se
amantes pares,
mil votos férvidos
mandem aos ares
de amar sem fim.
Como prolíficas
da flor vem flores,
do amor delícias,
— destas amores
brotem assim.
Sus, cachos túrgidos!
Presto aos lagares,
espúmeas púrpuras,
que entre dançares
à luz brotais!
Correi quais Ródanos,
fulgi quais lagos,
espelhos trémulos,
dos cumes vagos,
nus de vinhais!
E vós, ó pássaros,
que irrequietos
sempre andais sôfregos
de haurir afectos,
luz e prazer;
eia, aos céus rútilos
das madrugadas!
Voai às ínsulas
afortunadas,
onde há viver,
torrões fluctívagos
respira em cânticos
de noite e dia,
e onde sem véus
o amor e o júbilo
de mil dançantes,
de horas suavíssimas
fazendo instantes,
relembram céus.
Vão, espairecem-se
pelos oiteiros,
por vales flóridos,
ou nos ribeiros
retoiçam nus.
Vários e unânimes
cada qual mira
a estrela próspera
por quem suspira,
e que o seduz.

MEFISTÓFELES

Adormeceu. Bem haja a criançada aérea,
que assim mo acalentou!

(Apontando para Fausto)

Inda homem não és, vil filho da matéria,
para reteres preso um génio como eu sou.

(Dirige-se aos Espíritos)

De visões mágicas
povoai-lhe os sonhos,
fáceis, risonhos
filhos do ar!
Adormecestes-mo.
Dure profundo
o seu jucundo
feliz sonhar.

(Saem os Espíritos.)

O Fausto (1790)Onde histórias criam vida. Descubra agora