Cena I

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FAUSTO e MEFISTÓFELES

MEFISTÓFELES (a Fausto)

Em vez de palmilhar, Doutor, não gostaria
de ir num pau de vassoira? Eu por mim preferia
montar um bom cabrão. Antes que lá cheguemos
não nos falta que andar.

FAUSTO

Sou rijo; caminhemos.
Este bordão de nós por ora me é bastante.
E apressar, para quê? Se há gosto que me encante
na jornada que faço, é isto: ir à vontade
vendo este labirinto e a sua variedade;
tanto vale espantoso! e aqui sobre esta penha
a cascata sem fim que troa e se despenha!
Já primavera nova anima os vidoeiros;
engalana-se o mato; alegram-se os pinheiros.
Poderá resistir a natureza humana
a tais influições?

MEFISTÓFELES

Se o mato se engalana
e o Doutor se alvoroça, eu cá não sinto nada.
O que eu tomara sempre era grande invernada,
frio de tiritar, e por quaisquer caminhos
ver só neve, sentir só neve nos focinhos.
Como hoje vem a lua avermelhada, cava,
e a alar-se sem poder! por pouco mais, deixava
às escuras o mundo; é quebrar os narizes
de contínuo em calhaus, em troncos, em raízes.

... Um fogo-fátuo! Bravo! Há-de dar licença
de o chamar. Fraca luz val mais que sombra densa.
Uh! uh! ó da luzerna! Há-de ter a bondade
de vir mais para aqui. Não gaste a claridade
assim sem mais nem mais. Obséquio nos faria,
se nos fosse diante a destrinçar-nos via
por esta serra acima!

O Fausto (1790)Onde histórias criam vida. Descubra agora