Hoje é capaz de ser um dia em que as minhas emoções vão falar mais alto. Este é um ano que posso considerar que esteja a correr muito bem. Aos 53 anos, faço 28 anos de carreira, e é o ano onde vai, hoje, acontecer o seu desfile número 150 e aquele que irá mudar, por completo, toda a história da minha carreira.
- Onde é que anda o teu filho? – perguntei ao Giulio, saindo do backatage para o encontrar na sala dedicada aos convidados que ainda se encontrava vazia.
- O nosso filho – agarrou-me pelos ombros, fazendo com que o olhasse já que andava a tentar encontrar sinais do nosso filho – foi buscar comida, que diz que não aguenta sem comer.
- Eu sempre pensei que, tornando-se adolescente, acabávamos por gastar menos dinheiro em comida com ele – ele riu-se e acabei por encostar o seu corpo contra o dele.
- Ninguém diria que és mãe de dois adolescentes – acabei por me rir, olhando-o.
- Também não estás nada mal para pai deles.
- Bebé! – junto da minha barriga, o Salvatore começa com as suas típicas vontades de querer levantar-me a camisola para mexer nela. A verdade é que, estando em ambientes completamente diferentes, cada vez mais acho que já têm uma ligação tão única que nunca irei conseguir explicar.- Anda cá – peguei nele ao colo, sentando-o a meu lado. Encostou a sua pequena cabeça à minha barriga, com o seu tão precioso cuidado.
Aos dois anos, consegue ser o melhor de dois mundos. Ora é o menino mais enérgico, capaz de estar horas sem parar, também é o mais carinhoso e fica apenas sossegado ao pé de nós até adormecer. Que é o que não deve tardar a acontecer.
- Cheguei! – anunciou o Giulio assim que entrou em casa e, claro, todo o sossego do Salvatore se esvaneceu e correu na direção do pai.
Ganham horas de vida quando estão juntos. Aquelas gargalhadas de ambos são tão genuínas que ninguém lhes fica indiferentes.
- Vamos ter com a mãe – o Giulio pegou nele ao colo, deixando a sua mochila em cima de uma das poltronas – como é que se portou a peste? – perguntou, sentando-se ao meu lado.
- Foi tranquilo, acho que ela se portou pior – levei a mão à barriga, voltando a sentir o quão agitada ela hoje estava.
- Saudades do pai, Giulia? – colocou a sua mão sobre a minha, começando a rir-se ao senti-la.
Ao contrário da primeira gravidez, esta teve de ser toda planeada. E não poderia ter vindo em melhor altura para eu própria abrandar o meu ritmo de trabalho.
- Mãe, o Sal não pára de me chatear! – a Giulia entrou pelo meu camarim, sentando-se no sofá atrás da minha cadeira – eu já não o suporto.- Ele é teu irmão, Gi – olhei-a pelo espelho, percebendo que estava mesmo irritada – o que é que aconteceu?
- Está com aquela mania dele de se armar em irmão mais velho em frente de todos os teus amigos - sorri-lhe – e não me deixa fazer conversa com ninguém.
- Gi – virei-me para trás, mantendo os meus olhos presos aos dela – estás a querer fazer conversa com alguém em específico?
- Ó mãe, também tu? – levantou-se num ápice, saindo do camarim com a mesma velocidade com que entrou.
- O que é que se passa? – o Giulio estava a entrar naquele momento – só vejo aquela rapariga a correr de um lado para o outro.
- Acho que se apaixonou – voltei a olhar para o espelho, de forma a acabar a maquilhagem – o irmão deve ter descoberto e ela está toda irritada.
- Eu não sei lidar com adolescentes – comecei a rir-me com a afirmação tão sincera do Giulio – ainda há bocado apanhei o Sal a beber – ocupou o lugar que a filha tinha deixado há pouco – eu sei que ele bebe…, mas andar a beber à minha frente é todo um outro nível.
- Hoje só acho que fui uma adolescente muito tranquila para os meus pais e que podia ter aproveitado melhor aquela fase da minha vida – reparei que ele me olhava de outra forma, como que analisando cada movimento que fazia – que foi?
- Não estás nervosa?
- Claro que estou – levantou-se, vindo na minha direção – mas sei que está tudo demasiado bem planeado e estamos, os dois, confiantes nisto. Certo?
- Claro que sim - deu-me um beijo no topo da cabeça, sorrindo-me.
- A proposta que te vou fazer, pode parecer estranha, mas sei que vais analisar tudo ao pormenor – a Amara raramente fica nervosa para me apresentar novas ideias. Mas, para estar a andar de um lado para o outro na sala, de certeza que é algo enorme.- Claro que sim.
- Bom – ligou o projetor e, sobre um fundo preto apareciam letras douradas – o nome pode sofrer todas as alterações que queiras, a ideia pode nem sair do papel – olhou-me – mas, por este andar assinalas 150 desfiles daqui a dois anos.
- 150? – a verdade é que conto a minha carreira por anos e não por desfiles. Mas ver um número assim tão grande, acaba por ser uma enorme surpresa.
- Sim…, por isso, o que é que achas de lançares a tua primeira coleção masculina?
- Sabes que nunca pensei em desenhar calçado masculino. Que sempre o achei demasiado básico – ela riu-se – mas acabaste de me lançar um desafio e sabes como é que eu respondo a eles.
- Vais considerar a minha proposta?
- Claro que vou – ela abriu ainda mais o sorriso, vindo na minha direção para me abraçar.
- Pai, eu não preciso disso… os meus seguidores vão perceber que tenho maquilhagem e eles acham que eu sou bonito ao natural – acabei por me rir ao ouvir o Salvatore a falar com o Giulio, olhando para eles.- Podes agradecer-nos pelos genes que te passamos – riram-se os dois e a Giulia juntou-se a mim.
- Porque é que eles se estão a rir? – perguntou, fazendo-me olhar para ela.
- O pai queria maquilhar o Sal, mas ele não quer - riu-se e, pouco depois a Amara vem na nossa direção.
- Estão prontos?
A verdade é que a ansiedade começava a tomar conta de mim e não sabia como reagir ao momento que vamos, os quatro, viver. Olhei para o Giulio, juntando a minha mão à dele enquanto caminhávamos atrás da Amara.
- Isto não parece nada o sítio onde casei – tanto eu como o Giulio nos rimos. A verdade é que estamos no mesmo sítio onde a Amara se casou com o Lorenzo, mas em nada se assemelha a um local de casamento.
O exterior está todo decorado com grandes cortinas pretas, com algumas aberturas entre si de onde vão entrar e sair os manequins para o desfile. Os convidados estão todos alinhados em frente da passerelle e está tudo completamente às escuras, apenas com a luz das estrelas e da lua a iluminar-nos.
- Assumam as vossas posições, por favor – pediu a Amara.
Assim que o fizemos, começou a ouvir-se a minha voz com o texto que tinha gravado para anunciar a grande mudança na minha marca.
- Há dois anos que esta coleção está a ser pensada. A mudança tinha de chegar e, em família – os focos de luz começaram a acender-se, iluminando-nos aos quatro – lançamos Berruti by Vera Ferruci. A primeira linha de calçado masculino da marca Vera Ferruci.
Olhei para o Giulio e os meus filhos. Cada um de nós tinha, nos pés, um dos modelos da coleção. O desafio que tinha sido lançado há dois anos estava materializado e eu não me poderia sentir mais realizada.
FINE
E é assim que chegamos ao fim de Solo per la notte. Uma história que eu nunca soube como iria terminar e, por isso, demorou tanto tempo a sair este capítulo final.
Espero que tenham gostado desta história!
Vemo-nos em breve!
Ana.
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SOLO PER LA NOTTE
RomanceVera, uma das mais conceituadas designers de calçado em Itália, é uma mulher independente, cheia de garra e determinação. Aos 32 anos vive um dos melhores momentos da sua vida, focada no seu trabalho. Vera não aspira ser mãe, casar ou constituir fam...