3 • Aquele loiro abusado.

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🎐 votem no capítulo. 🎐

"Se não tivéssemos repartido as
memórias cada qual com um gosto diferente
sobre a mesma ótica,
teríamos ido para onde?"

– TCD.

#IndigenteEnxerido

🎐

Estava ouvindo o barulho de água bem em minha frente enquanto uma música que tocava em meu celular ecoava pelo banheiro. Me deixo levar pela melodia, pela letra. Sempre fazia isso. Acreditava firmemente que, sem a música, talvez eu me encontrasse mais perdido e alheio a tudo que acontecia à minha volta.

Enquanto Fix You do Coldplay, toca, percebo que talvez Chris Martin tenha visto o meu futuro antes de mim e escrito essa para um garoto quebrado e sem perspectiva, que precisava de qualquer mensagem boa para se identificar.

Valeu, Chris.

Me arrumei, peguei tudo o que precisava para sobreviver ao dia e até a cozinha, onde já ouvia a voz nem um pouco baixa da minha irmã. As nossas manhãs na verdade eram todas iguais, monótonas e quase sem conversa, o que, na maioria das vezes, eu agradecia, por não ter nenhum tipo de diálogo que fosse parar em um lugar não muito bom.

As coisas mudaram muito rápido por aqui, mas eu não gostava de lembrar que foi diferente, ou falar sobre isso.

Minha terapeuta até tentou, mas depois de um mês se empenhando para me fazer ir às sessões ela acabou desistindo. E eu agradeci por não ter mais que falar desse assunto com absolutamente ninguém. Eu nunca esperei que qualquer pessoa resolvesse a bagunça que eu me tornei, ou aguentasse isso. Eu simplesmente aceitei que aquilo existia e pronto.

Nem eu mesmo entendo, como posso querer que outra pessoa o faça?

Pego uma fruta em cima do balcão e chamo Yuna, que se levanta depois de terminar de comer, vai até a nossa mãe e a abraça, se despedindo. Vejo que ela se afasta e me olha esperando que eu faça o mesmo, e um ponto de interrogação se forma na minha cabeça.

— Uhm... a gente já vai. Tchau, coroa. – falo enquanto dou dois tapinhas no ombro dela e me afasto indo em direção a porta. Eu definitivamente fiquei péssimo com demonstrações de carinho.

Talvez seja pelo fato de sempre guardar as coisas para mim. Quando era pequeno, conversava muito com a minha mãe, falando sobre meu dia, as coisas que eu gostava e desgostava ou até mesmo informações inúteis que eu sabia que apenas ela gostaria de ouvir.

Mas conforme fui crescendo, a cobrança ficou maior, passava menos tempo dentro de casa e mais tempo me preocupando em não cometer nenhum erro que fosse causar uma briga desgastante com meu pai. Isso acabou fazendo com que eu me fechasse mais do que eu gostaria, mais do que eu consigo controlar.

Quando chego atrasado na aula por conta de um acidente no caminho, tento não chamar atenção e acabar atrapalhando quando entro na sala. Mas antes que eu possa me afastar da porta meio aberta, ouço a professora chamar meu nome.

— Você, novato.

Hesitante, eu ainda me viro e fico de frente para a mulher.

— Precisa de um relógio em casa para saber o horário?

Eu congelo. Sinto meu rosto ferver em vergonha mesmo com a cabeça baixa. Não é possível que esse mundo me odeie tanto.

— Não sabe ver as horas, e nem falar? – ela diz, alto. Como se quisesse que quem quer que estivesse por perto, ouvisse que algum idiota se atrasou para a aula.

Decalcomanie / •jikookOnde histórias criam vida. Descubra agora