A reunião de crianças famintas que se refestelavam à grande mesa de refeições da Segunda Igreja de Salem era acompanhada pelo cântico macabro de Modesty. O que uma garotinha com menos de dez anos poderia saber sobre aquelas palavras que entoava em meio a uma refeição? Rondando a mesa como um cuco que penetra os ensinamentos na cabeça dos pequenos, ela também entregava os folhetos dos ensinamentos da igreja e de como denunciar cultos satânicos.
As crianças tinham comida, em troca espalhavam a palavra de ódio de Mary Luo Barebone.
Minha mãe, sua mãe,
Num tronco a voar
Minha mãe, sua mãe,
Bruxas sem chorar
Minha mãe, sua mãe,
Bruxas vão pagar
Bruxa nº 1, no rio afogada.
Bruxa nº 2, vai ser enforcada.
Bruxa nº 3, vamos queimar.
— Peguem os panfletos — disse Castidade, logo após o término da refeição. Em fila, as crianças se encaminhavam para a saída, mais ou menos satisfeitas (e um pouco contrafeitas de terem que retornar ao frio de Nova Iorque em plena época do Natal), mas aliviadas de estarem saindo dos olhares das crianças Barebone.
Ouviu-se um barulho como de papel sendo levemente amassado.
— Eu saberei se jogarem fora — relembrou ela. Logo, o menino que o estivera descartando, se apressou a colocar seu montinho de panfletos dentro do casaco surrado. Nenhuma delas a encarava. Mesmo não sendo muito mais velha, Castidade em muito lembrava sua mãe. Os olhos e as bochechas grandes iludiam junto dos cabelos enrolados e loiros. Mas havia algo em seu semblante: algo velho e desagradável. — Me avisem se virem algo suspeito.
Na sombra de uma janela meio encoberta por uma cortina de flanela, Credence olhava o séquito de crianças que abandonava a igreja. Como ele bem queria ser como elas e não pertencer àquela família. O frio das ruas não parecia incomodar tanto (se acostumara com os anos, já que Mary Luo o obrigava a passar a noite toda até se certificar que os folhetos houvessem sido entregues). A frieza do ar que pairava na Segunda Igreja de Salem era muito mais opressor.
Contudo, ele apenas suspirou e continuou a lavar a louça.
As últimas crianças já haviam desaparecido quando Modesty fechou a porta enferrujada da pequena igreja atrás de si, encaminhando-se para o meio da rua. Carregava sua pequena pilha de panfletos. Ser pequena não a livrava do serviço de ser filha e mensageira da palavra de Mary Luo.
Olhou por cima do ombro.
Estava a uma certa distância da igreja quando, inspirando bem forte, jogou todos os folhetos para o alto, sorrindo, como se fossem uma montanha de cartas ou uma chuva de dinheiro. Estava cansada demais naquela manhã e, mesmo com as ameaças de Castidade, como poderia saber quem tinha feito?
A rua da igreja sempre vivia suja dos panfletos que ninguém se dignava a ler. Já haviam recebido tantas mensagens da prefeitura sobre a sujeira nas ruas que as advertências haviam cessado após um período longo de cartas ignoradas no capacho de entrada da igreja.
Mas aquela era época de Natal. Provavelmente nevaria pela noite, encobrindo seu crime, e, quando derretesse, levaria junto o papel desfeito e desbotado para os bueiros.
Modesty, então, correu para um beco escuro, brincar sem que ninguém pudesse vê-la ou dar-lhe sermões sobre as tentações do demônio.
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Animais Fantásticos e Onde Habitam - O Livro
FanfictionJá imaginou como seria ler o filme de Animais Fantásticos como um livro? Sentir a emoção de tentar descobrir o que vai acontecer a cada capítulo? Foi exatamente o que eu quis descobrir e sentir quando comecei a escrever essa fanfic. Newt Scamander c...