Castigo

45 5 0
                                    

Credence caminhou com um certo sorriso no rosto, por entre as ruas mais humildes, passando pelos cortiços, até chegar à pequena construção que imitava a torrinha de uma igreja, selada por uma porta de madeira resistente. Lembrava um castelo medieval esquecido, habitado por uma bruxa. Mas bem se sabia que bruxa nenhuma ousaria adentrar a residência de Mary Lou Barebone. 

Ele, porém, não ligava nem um pouco para os ideais da mãe. As promessas do Sr. Graves ecoavam por seus pensamentos, vezes apáticos, vezes bagunçados. Ele seria um bruxo... entraria para a comunidade... 

Não, ele não tinha parado para pensar sobre o que Mary Lou acharia disso. 

Talvez o odiasse, talvez não. Não saberia dizer se ela o via mesmo como um filho, ou se não passava de um fantoche para a mulher miúda. 

Talvez aquilo não importasse mais em alguns dias. 

Devagar, ele fechou a porta às suas costas e andou com o rosto virado para baixo, como se assim não pudesse ser notado. Na cozinha, ele poderia ouvir o esfregar de um pano úmido sobre as xícaras lavadas por Castidade. Era como se ela pensasse em voz alta... ''garoto burro, você está com problemas''. 

Ele parou no meio do salão, sua visão periférica notando aquela figura sentada nos degraus da escada. Parecia um boneco de cera, as mãos sobre as saias longas e escuras, o cabelo cortado perfeitamente acima dos ombros, a postura tão ereta que parecia estar apoiada em uma parde invisível. O corrimão escondia o rosto de sua mãe, deixando-a menos humana do que já era. 

— Credence, onde você estava? — perguntou ela. 

Ele se virou lentamente, os lábios mal se mexendo enquanto falava. 

— Estava procurando um lugar para a reunião de amanhã. 

Silêncio.  O feixe de luz de patia da rua atravessava o janelão, no primeiro andar, e marcava o brilho de seus cabelos. 

— Tem um esquina na rua 32 que poderia... — Ele se calou, percebendo o seu erro. Ela sabia o que ficava rua 32, o lugar onde aqueles homens e mulheres estranhos saiam. Seus olhos aquosos se arregalaram, o pescoço entortando um pouco. Credence parara aos pés da escadas, baixando o queixo ainda mais. — Me desculpe, mãe. Não percebi que já estava tão tarde...

Não soube porque continuou a falar. O problema não era o horário. Mary Lou esperou com a paciência contida enquanto ele desafivelava o cinto e entregava para ela. 

Mary Lou fitou com uma candura incrédula, quase como se perguntasse porque ele estava fazendo aquilo. Mas todos ali, inclusive Modesty e Castidade, que assistiam tudo nas sombras, sabiam que ela ensinara aquela regra. Não precisava falar. 

Ela tomou a fivela nas mãos e seus saltos bateram sobre os degraus de madeira, se encaminhando para o quarto de Credence, no segundo andar, onde ele receberia seu castigo. 

Modesty fitou o alto da escada, metida em seu pijama, pensando o que poderia fazer para salvar o irmão. 

Animais Fantásticos e Onde Habitam - O LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora