Dentro da maleta

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Despencando no vazio escuro, Jacob se viu passando por um buraco, como um cano de calefação, do tamanho da maleta. Depois, seus pés tocaram uma escadaria, mas ele mal conseguiu se equilibrar, batendo em vários objetos e ouvindo o barulho metálico de potes e panelas caindo junto, assim como alguns instrumentos estranhos. 

Recompondo-se e suando como se houvesse corrido vários metros, ele se espremeu contra uma parede de madeira,  a fim de evitar dois gira-gira que passaram voando pelo seu rosto, atraidos pela barulheira. Ele então se viu no que parecia um diminuto escritório dentro de uma cabana, como a de um acampamento. Balcões se estendiam pelas paredes, cheios de vasos, manuscritos, um bestiário medieval muito gasto, além de uma velha máquina de escrever. Logo acima, fotos de animais mágicos e potes com líquidos gelatinosos se acumulavam nas prateleiras. Mapas, desenhos, notas escritas em papel amarelado preenchiam todos os cantos visíveis da madeira. 

— Por favor, sente-se — pediu a voz calma e gentil de Newt, nitidamente mais à vontade. Jacob rodou no próprio eixo, tentando encontrá-lo naquela confusão organizada. 

— Boa ideia — murmurou, enquanto o bruxo vinha examinar seu pescoço. — Com certeza é mordida de mortisco. — Afastando-se, ele começou a remexer em potes e vidrinhos cheios, espremidos em suporte na parede. — Você parece ser mais suscetível a eles. E sendo um trouxa... Sua fisiologia é um tanto diferente. 

Amassando algumas sementes e misturando-as com folhinhas de outra planta, Newt passou os dedos nos lábios, espalhando a essência esquisita sobre o pescoço de Jacob. 

— Ergh! — disse o no-maj, fazendo uma careta. 

— Não se mexa. — Jacob gemeu, sentido a ardência da seiva escorrer pelo local da mordida. — Isso vai fazer você parar de suar. E um destes resolverá o tremor... — Dando-lhe as sementinhas, Jacob as engoliu sem questionar, empurrando pela garganta com uma caneca d'água que havia oferecido. 

Sem perceber, o bruxo já havia puxado um cutelo e uma peça longa de carne, cortando-a em vários pedaços e despejando-as em um balde. 

— Segure isso — pediu Newt, passando-lhe o balde, e retirando o paletó e a gravata. Jacob fitou a carne crua com um franzir de nariz. 

Dessa vez, Newt retornou ao balcão e recolheu um vidrinho vazio, espremendo algo que lembrava um casulo de lagarta. Dele, uma seiva azulada escorreu, quase que fluorescente. 

— Vamos... — Fez mais força, e a seiva começou a preencher o tubo.

— E o que é isso? — indagou Jacob, não menos surpreso com suas esquisitices, mas continuamente enojado. 

— O pessoal aqui chama de Rapinomônio. — De repente, a seiva fez escorrer uma fumaça meio ácida que se elevou sobre as mãos de Newt. Ele não pareceu se incomodar. — Não é um nome muito amigável.  É um bichinho  bem ágil... — Como se fosse soltá-lo, Newt abriu as palmas e revelou toda a extensão daquela criatura, que realmente se prendiam como se por um casulo entre seus dedos, segurado em um filamento de carne... — Eu tenho estudado ele, e tenho quase  certeza de que o veneno, se for diluído corretamente, pode ser usado para apagar memórias ruins. 

Newt deu-lhe de costas e Jacob franziu o cenho. Subitamente, ele apontou a palma para trás e o filamento de carne se esticou, revelando uma criatura verde a azulada, envolvida por uma carapaça que lembrava musgo. A cabeça, porém, era cadavérica, realmente apenas um crânio que lembrava um misto de réptil e ave com presas pontudas. 

Ele se voltou contra Jacob, que quase caiu onde estava, até que Newt puxou-o de volta, escondendo-o nas mãos. Parecia rir baixinho. Aquilo foi uma brincadeira? Decididamente o senso de humor do bruxo era estranho, para não dizer questionável. 

Animais Fantásticos e Onde Habitam - O LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora