A criança amaldiçoada

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As celas do MACUSA se situavam nos andares abaixo do complexo escondido. Um vasto vão de corredores erguidos por arcos de pedra se estendiam infinitamente. A maioria das celas parecia vazia, principalmente àquela hora da noite. Os últimos acontecimentos na cidade deveriam ter assustado até mesmo a classe dos infratores; por isso, apenas Tina, Newt e Jacob estavam visíveis. 

Os aurores não tinham lembrança recente de um no-maj nas celas do governo; aliás, nenhum no-maj havia pisado antes nos corredores do MACUSA. Até mesmo o presidente era contactado no Salão Oval da Casa Branca, assim como faziam os ingleses com o número 10 da Downing Street. Jacob, contudo, estava atordoado demais para pensar que estava criando precedentes no mundo bruxo. Ele estava realmente preso? As leis americanas dos no-maj o protegiam? Teria acesso à um advogado? Existiam advogados no mundo bruxo? 

Será que os julgamentos consistiam numa luta com uma criatura monstruosa, como aquelas que Newt criava?!

Tina interrompeu sua linha de pensamento. 

— Eu sinto muito pelas suas criaturas, Sr. Scamander — disse ela, baixinho e chorosa. Newt continuava encostado no chão da cela, mortalmente preocupado com o destino de suas raras espécies. Nada daquilo era justo. Aquelas marcas no corpo do senador não poderiam ser de qualquer outra criatura que não fosse o Obscurus. Mas aquele não teria sido o seu... O casulo dentro da maleta estava intacto. — Sinto muito mesmo. 

— Será que alguém pode contar o que é essa coisa? Obscurial? Obscurus, por favor? — pediu Jacob. 

Tina pensou se deveria ou não explicar. Bom, não tinham mais nada para fazer naquela cela mesmo. 

— Não aparecia um há séculos — contou ela. Na verdade, ela ainda não conseguia acreditar muito naquela versão da história. Como um Obscurus poderia ter passado despercebido em Nova Iorque? Até mesmo pelos feitiços de detecção de Ilvermony? Lembrou-se que em Hogwarts, guardada no alto de uma torre trancada, havia uma pena que escrevia em um livro de nomes, catalogando cada criança bruxa que nascia nos arredores da jurisdição da escola de magia. 

Por outro lado, ela não conseguia deixar de dar o braço a torcer pelo conhecimento esquisito de Newt Scamander. 

— Eu conheci um há três meses, no Sudão — relatou Newt, meio presente, meio divagando. A tristeza consumia seu semblante intimidado. — Não são muitos, mas eles ainda existem. Antes dos bruxos viverem como clandestinos, quando nós ainda éramos caçados pelos trouxas. Jovens bruxos e bruxas às vezes tentavam suprimir sua magia...

De repente, Tina levou às mãos ao peito, como se sentisse uma dor lancinante. Suprimir a magia era tão pavoroso quanto arrancar um membro, para um bruxo. 

—... para evitar perseguição — prosseguiu Newt. — E, em vez de canalizar ou dominar seus poderes, desenvolveram o que foi chamado de Obscurus. 

Tina suspirou. 

— É uma força instável que explode e ataca qualquer um que se puser em seu caminho. — Jacob ouvia com atenção, não menos estranhando, mas permitindo que um arrepio de medo percorresse sua espinha. — E, depois... desaparece. Os obscuriais não sobrevivem por muito tempo, não é? — perguntou Tina à Newt; o bruxo se escondia atrás das mãos, os olhos fechados com força. 

— Não existe um registro de um obscurial que tenha vivido mais que dez anos — relatou ele. — A menina que eu conheci na África... tinha oito anos. — As mãos brincavam com os dedos, mas seus pensamentos divagam nas lembranças que pareciam provir de séculos antes. A pobre menina amarrada, seus familiares afastados, formando um círculo ao redor da casa. Suas palmas brilhavam, invocando feitiços de proteção, já que no continente não era muito comum o uso de varinhas. 

Apenas a avó da menina continuava dentro da casa. A magia anciã e o amor pela criança que sofria eram as únicas coisas que a protegiam dos súbitos surtos de magia das trevas. 

— Ela tinha oito anos quando morreu — repetiu Newt. 

Tina o encarou, entendendo onde ele queria chegar. 

— Então quer dizer que... — verbalizou Jacob. — O senador Shaw foi morto por uma criança? 

Newt o encarou. Era bem provável...

Mas quem seria aquela criança amaldiçoada? 

Animais Fantásticos e Onde Habitam - O LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora