Pequenos acidentes e outros barulhos estranhos

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Ainda não havia temor nos olhares dos nova-iorquinos que circulavam, longe da confusão da Lower East Side, no meio da tarde que corria pelo Upper East Side. Uma profusão de calhambeques, carruagens e montarias dava vida para as ruas cinzentas e pintadas pelo colorido das bancas de frutas que despontavam ao lado das placas de anúncios. 

Um menino caminhava  ao lado do pai, que havia acabado de lhe comprar um pirulito de morango. O sabor adocicado, porém, pareceu confundir o garoto, pois ele achou ter visto uma maça levitar diante de seus olhos, furtada do hortifrute que haviam acabado de passar. Com quatro mordidas, a massa esférica e vermelha foi consumida por uma boca invisível, como se suisse para outra dimensão, depois foi descartada. 

Esperando que o pai creditasse o que ele havia acabado de vislumbrar, o menino puxou-lhe pelo braço, apontando com o pirulito para o nada, boquiaberto. 

Foi com um puxão que ele sentiu o pirulito ser tomado de suas mãos, desaparecendo às suas costas, quando seu boné caiu-lhe sobre os olhos e o pai puxava-o para longe. 

Na esquina da mesma calçada, uma banca de jornal estampava o rosto imponente e político do Senador Shaw, principal adversário da corrida eleitoral que se aproximava. Deveria ser de vantagem estratégica e quase trapaceira ter como apoio publicitário o pai dono de um dos maiores jornais da cidade. Ao lado dos jornais, a figura de uma dama ruiva ilustrada ao lado de um frasco de perfume Magia Divina, abriu os olhos e uma forma tremeluzida alertou um cachorrinho que esperava pelo dono enquanto este escolhia seus jornais. 

O pirulito furtado apareceu por dois segundos, mas o menino já estava muito longe para reclamá-lo. 

Em seguida, o descuido da forma invisível fez cair um mostruário de jornais  e revistas, que se espalharam com o vento ou se sujaram na lama do meio-fio. Um ciclista desviou do objeto e por pouco não foi arremessado por um calhambeque, que também fez gemer suas rodas ao virar na contramão. O condutor de um automóvel que passava por perto sentiu um leve repuxo para o lado direito, depois foi como se alguma coisa pisasse sobre o teto. 

- Ei, tudo bem aí? - perguntou um policial sobre uma montaria, mas, de repente, seu cavalo, relinchou sobre as duas patas, como se houvesse visto um rato ou outro animal que escorrera pelos bueiros próximos. O chapéu de seu companheiro despencou pela rua de pedras, sem sequer uma brisa ter balançado seu uniforme. 

A breve confusão que se instaurou sem explicação como um efeito dominó foi o suficiente para não se fazer perceber uma cauda colorida que serpeou pelas janelas do sotão de uma grande prédio de departamentos. Um silvo escapou pelas janelas, assim que, um violento estremecimento, a estrutura inchou e suas várias telhas se desprenderam, devido a alguma coisa que havia preenchido todo o lugar. 

E como o grasnar de um corvo engasgado, o crepúsculo atingiu Manhattan. 

Animais Fantásticos e Onde Habitam - O LivroOnde histórias criam vida. Descubra agora