Karol
Eu não tinha conseguido dormir nada. Quando você passa anos correndo risco de morrer assim que fechar os olhos, fica difícil reaprender a abaixar a guarda e relaxar, mesmo que o dono da casa tenha deixado claro que naquela noite ninguém se atreveria a ir até lá.
Por mais que eu soubesse que os vizinhos estavam assinalando uma espécie de "trégua", pois se asseguraram que eu iria embora assim que o dia raiasse, ainda assim me vi desperta a noite inteira, vagando para lá e para cá, espiando por entre as cortinas das janelas da sala, indo checar a cada dez minutos se a porta estava razoavelmente segura, já que haviam quebrado a tranca também.
Só fui me dar conta do cansaço que recaia sobre meus ombros quando o sol começou a nascer lançando raios amarelados sobre o piso de linóleo que revestia a pequena casinha que pensei que seria meu lar dali por diante. Com certa frustração, fui até o banheiro e lavei o rosto, depois tentei dar um jeito no cabelo, prendendo-o num rabo de cavalo bem apertado no topo da cabeça.
Não seria legal ir procurar emprego com aquela cara abatida e cheia de olheiras, mas o que eu podia fazer?
Deixei escapar um suspiro resignado e sai do banheiro, desviando de um ou outro móvel que deixaram jogado por ali, tentando não tropeçar em nenhum deles ou sequer pensar no motivo daquilo estar daquela forma.
No caso, o motivo era eu.A minha presença destruía tudo.
Assim que cheguei à sala, ouvi uma batida ritmada na porta e me pus em estado de alerta.
Pensei que era algum vizinho indo se certificar de que eu iria mesmo embora, e logo esse pensamento lançou medo pelo meu corpo todo, porque só Deus sabia o que essa pessoa tentaria fazer ao perceber que eu ainda estava ali.
Aprendi a não confiar em ninguém, pelo menos não tão facilmente.
Tampouco conto com a sorte.
─ Karol? ─ A voz de Agustín dançou pelo ambiente ao esgueirar-se pelas brechas da porta. Um alivio tremendo percorreu minhas entranhas, acalmando meus batimentos cardíacos. ─ Karol? Ei, sou eu!
Antes que ele acabasse de falar eu já estava afastando a mesinha que usei para segurar a porta.
Assim que o vi, sorri. Era bom ver um rosto conhecido.Como das outras vezes, meu advogado estava impecavelmente arrumado. Os cabelos bem penteados e úmidos, o terno bem passado, assim como a camisa, além de calças alinhadas e sapatos lustrosos.
Eu sabia que Agustín não era rico, mas a sua profissão exigia um cuidado especial com a aparência, e ele atendia a todos esses requisitos.─ Bom dia!
Ele me olhou por alguns segundos e depois estreitou os olhos castanhos.
─ Você dormiu, sei lá, por uns cinco minutos, pelo menos?
Abanei a cabeça, negando.
─ Eu só pensava que alguém poderia entrar e me acertar com uma barra de ferro ou coisa do tipo.
─ Compreensível, mas... ─ Ele foi entrando, erguendo as duas sacolas que trazia nas mãos para que não esbarrasse nos móveis. ─ Do jeito que você está... Desculpa, mas a sua aparência é de quem vai desmaiar a qualquer momento. Fica difícil conseguir um emprego assim, Karol.
Cruzei os braços rentes ao corpo.
─ E o que eu posso fazer? Preciso do meu filho, preciso de um trabalho e posso deixar para dormir depois. Eu aguento, Agustín.
─ Não tenho a menor dúvida da sua força de vontade, mas é necessário convencer aos empregadores que você é portadora de toda essa garra e, para começar, é preciso tomar um banho, trocar de roupas e comer algo. Urgente! ─ Agustín verificou as horas no relógio que trazia no pulso. ─ Você tem vinte minutos.
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À Prova de Balas
Romance"Três anos enclausurada. Três anos pagando por ter cometido um crime em legítima defesa. Três anos em que estou longe do meu filho, que perdi completamente o contato com a minha mãe e não pude cuidar dela em seus últimos momentos de vida; três anos...