Feitiço

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Ruggero

O dia seguinte chegou preguiçosamente como se o sol estivesse tímido, receoso. Confesso que o esperei por horas a fio, já que quase não consegui dormir. Eu ainda tentava me acostumar a essa rotina diferente.

Era estranho não ter que ir à delegacia, não ter que revisar relatórios (bom, disso eu não sentia tanta falta assim), de não ter que interrogar alguém e arrancar verdades, ou simplesmente de ir para o combate, seguindo estratégias de inteligência, pegando aqueles infelizes que se achavam bons em fazer merda, mas que assim que caiam em nossas mãos, se fodiam. Eu nunca tive pena deles. Jamais. Criminosos não merecem o mínimo de empatia.

Ladrões, pedófilos, assassinos... Todos farinha do mesmo saco. Psicopatas ambulantes, infelizes e miseráveis.
E nunca tinha fim. A minha ira por eles não tinha fim.

Por mim, morreriam atrás das grades.

Levantei da cama e fui até as janelas espiando a rua movimentada. Era de foder isso de não ir trabalhar.
Eu não sabia viver assim como um inútil. E ainda menti para a Margô. Jamais contaria que fui suspenso por aqueles motivos. Ela iria armar um escândalo com o Blaine e dizer que fiz a coisa certa, que agi como o cavalheiro que me criou pra ser, e essas bobagens todas.

Então, para acabar de ferrar comigo, Blaine saberia que larguei a maior chance da minha vida por causa de uma mulher.

Não. Isso não. Meu amigo era benevolente comigo, mas até certo ponto.
Isso tudo não seria bem visto e eu até entendia. Compreendia perfeitamente.

A minha ação foi completamente impensada.

Larguei as cortinas que estava segurando e elas deslizaram, fechando-se.

Mas o que eu poderia ter feito? Karol estava mal. E... eu gostava dela. Quero dizer, naquele momento eu ainda não pensava assim. Não desse modo. Mas as duas semanas fora e com as palavras de Michael rodando na minha cabeça, eu começava a ir além do que tinha me proposto a ir.

Karol me atraia. Ela mexia com tudo em mim. E fazia isso de um jeito absurdo e extremamente inconsciente.
Aquela mulher não tinha noção de como me deixava ansioso, nervoso. Se soubesse poderia usar isso contra mim. Sempre espero que as pessoas joguem com as minhas fraquezas.

Esfreguei o rosto com força.

Eu a tinha chamado para jantar. Foi mais forte do que eu.

Mas se eu queria entender o que sentia ou até onde isso poderia ir, o jeito era largar as rédeas um pouquinho e assistir de camarote.
Não era mais um jogo, mas sim um teste.

Se Michael e Margô tivessem razão, se meu coração ainda pudesse se entregar, se a vida ainda fosse boa para mim... Talvez eu devesse ao menos tentar.
E Karol parecia a pessoa certa para fazer isso.

Mesmo que eu tivesse medo.

Sim, eu não sabia quase nada sobre ela. Mas eu sabia como ela reagia ao meu toque, como ficava corada quando sorria todas as vezes que zombava de mim por eu não saber cantar algo sem errar as letras; eu sabia como estremecia nos meus braços, como seus lábios reagiam aos meus, como se entregava aos beijos sem recuar, confiando em mim. Eu sabia que... seus cabelos tinham um perfume inebriante e seus olhos me entorpeciam.

Por enquanto isso bastava pra mim.

Por enquanto.

Tive um sobressalto quando meu telefone vibrou em cima da mesinha ao lado da cama e fui pegá-lo prontamente. Meus instintos apontavam sempre para essa ação, por mais que eu soubesse que não era nenhum aviso de cena de crime ou coisa do tipo.

À Prova de BalasOnde histórias criam vida. Descubra agora