pioggia

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Foi um sentimento gigantesco de nostalgia se acomodar na garupa da Vespa e agarrar a cintura de Alberto.

Ele colocou capacetes nos dois e então ligou o motor, que ronronou como um felino e então eles logo estavam saindo do quintal, rodando pelas ruas de paralelepípedos do vilarejo.

De repente, os cabelos ruivos de Giulia brilharam em seu campo de visão.

— Ei, ragazzi! Onde é que vocês vão?! Meu pai fez...

— Depois, Giulia! Eu preciso sequestrar Luca primeiro!

Luca não disse nada, apenas riu e acenou para a amiga por cima do ombro, e o olhar cúmplice que ela lhe lançou o deixou com um cardume de peixes se agitando no estômago.

Ele apertou ainda mais os braços ao redor de Alberto quando o moreno acelerou com a Vespa, rapidamente saindo de Portorosso e deixando as casinhas acolhedoras para trás.

Luca amava aquele lugar.

Portorosso costumava ser um local de ódio contra sua espécie e seu povo, mas em seis anos as coisas mudaram muito. Os marinheiros deixaram de caçar monstros marinhos e, assim, muitos deles começaram a aparecer pelas ruas. Os dois lados foram perdendo o medo aos poucos.

O medo, Luca sempre pensou, era um dos maiores causadores de problemas. Ele era prisão, era desconfiança, ignorância, tristeza. Viver com medo não era viver. E ele estava feliz de que agora os dois povos estavam se unindo.

O processo ainda era lento. As gerações mais velhas, tanto de humanos quanto de Marinos ainda era receosa, uma esperança frágil, como se temessem que as coisas voltariam a ser como sempre foram. Luca os entendia e tentava ajudar sempre que podia.

Mas as gerações mais novas aceitaram tudo com rapidez e coração aberto. Os que nasceram depois já achavam algo normal. E Luca apenas estava orgulhoso, feliz e satisfeito de que seu povo não mais era caçado e pudesse viver como bem entendia.

Em Genova, sua presença causou muita surpresa e até mesmo desconfiança mas, com o tempo, as pessoas também o aceitaram.

Era um processo lento. Mas ele estava acontecendo. E isso por si só era maravilhoso.

Ele suspirou contente e sorriu, deitando a cabeça nas costas de Alberto e ouvindo sua risada animada.

— No que está pensando? — ele perguntou por cima do vento.

— Mudanças — Luca respondeu e, como sempre, Alberto pareceu entendê-lo sem que precisasse de mais nada.

— Ei, você sabia que eu ainda trabalho como salva vidas? Pois é. As nonas mais velhinhas e os homens mais carrascos ainda pegam no meu pé por isso ou me olham torto, mas eu não ligo para eles. A maior parte de Portorosso gosta de mim, do meu trabalho e da minha disposição para ajudar.

— Mas você quase não faz nada, Alberto — Luca riu, e o moreno riu também.

— Isso não vem ao caso.

— Vem, sim. As crianças de Portorosso já nascem sabendo nadar, então não tem muitas pessoas para se salvar de um afogamento.

— Ei, ei! Eu salvo os brinquedos delas, tá legal? E eu ensino elas a nadarem direito. Acredita que os pais sempre ensinam errado? Doideira.

A paisagem ao redor era completamente colorida. Eles estavam rodando por uma estrada na encosta de uma montanha, de uma maneira que à esquerda de Luca havia a imensidão azul brilhante do oceano e à direita haviam campos de flora verde e flores de todas as cores.

Era uma simbologia bonita. De um lado, sua vida como Marino. Do outro, sua vida como humano. E era ainda melhor que ele estivesse perfeitamente passeando entre os dois, na garupa de sua Vespa e com Alberto como companhia.

A estrada onde eles estavam fazia uma bifurcação, um lado uma estradinha de terra que continuava indo para cima e outra que começava a descida. Alberto seguiu pela estradinha de terra, as flores dos dois lados lançando no ar fragrâncias que inebriavam seus pulmões.

Alberto então parou, desligando o motor da Vespa, retirando o capacete e Luca fez o mesmo enquanto olhava ao redor. Era um campo vasto e colorido, e alguns metros à frente ele terminava no céu azul. Luca podia sentir o cheiro de maresia e ouvir as ondas quebrando bem baixinho.

O moreno tomou sua mão e começou a puxá-lo para perto da beira, sorrindo quanto Luca nomeava cada flor pela qual passavam e explicava as peculiaridades de cada uma. Quando chegaram perto da beira, Alberto parou e o incentivou a olhar para o horizonte.

E eles estavam em uma formação rochosa vários e vários metros acima do mar, que se entendia muito grande e bonito até onde a vista alcançava. Portorosso parecia uma pequena gota de tinta vários metros à sua direita, reluzindo no sol da manhã.

Luca estava encantado.

— Alberto... Aqui é lindo...

— Não é? Eu descobri esse lugar dois anos atrás, quando num dia estava com tantas saudades de você que fugi de Massimo e comecei a andar por aí. Então decidi que queria te trazer aqui, mas só quando tivesse nossa Vespa de volta.

— E por que aqui?

— Porque esse lugar tem algo muito especial. Vem cá.

O moreno o puxou de volta para o meio do campo, em meio às lavandas e lírios e madressilvas, e olhou para Luca com os olhos brilhantes e animados ao apertar sua mão.

Então uma rajada violenta de vento passou por eles, de baixo para cima, sacudindo suas roupas com força e fazendo-os rir e tapar os olhos.

— Agora, Luca! Abre os olhos! Olhe!

E quando Luca abriu, ofegou de surpresa.

Porque o vento havia desprendido as pétalas das flores no chão e jogado todas elas no ar ao redor deles, de modo que eles estavam agora no meio de uma chuva seca e multicolorida.

E a respiração de Luca se tornou mais pesada quando Alberto se moveu lentamente, rodeando os braços ao redor de sua cintura e aproximando seus corpos, inclinando o rosto e selando seus lábios tão devagar que era singelo e carinhoso e magnífico, tão pequeno e tão gigante ao mesmo tempo.

Luca apertou os dedos no tecido da regata branca de Alberto e nos cachos macios da nuca dele, entreabrindo os lábios e juntando suas línguas.

Os suspiros deleitosos e surpresos partiram de ambos.

Eles se apertaram ainda mais, Luca se esticando nas pontas dos pés para buscar mais de Alberto, que por sua vez se inclinava para buscar mais de Luca.

E foi tão perfeito quanto na primeira vez.

Sob as AnchovasOnde histórias criam vida. Descubra agora