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Juliette

A sociedade de hoje pode estar avançada em muitos aspectos, mas em outros eram tão precária e antiquada que parecia um contraste de tudo o que se pregava. Eu havia notado a demora de Sarah e fui atrás dela, a achando fácil apenas segui a multidão. O que eu vi havia me paralisado de vez. Vê-la sendo atacada daquela forma e ao mesmo tempo como ela protegia o irmão me fez sentir como uma fera querendo atacar a tudo e a todos.

E ainda no carro, aquele carinho que havia entre eles, a forma como cuidavam um do outro... Eu já desconfiava que os pais deles fossem ausentes. Mas qual a história? Qual o motivo? Deus, ela era tão forte! Havia encarado a todos aqueles olhares e ficado firme, talvez para dar exemplo ao seu irmão, mas o que eu sabia realmente?

Quando chegamos a minha casa, os dois pareciam maravilhados com tudo o que via. Certo, minha casa era uma mansão, com cinco suítes e dois quartos normais. Era de andar, com uma varanda a direita um jardim espaçoso e no fundo uma piscina e quiosque. A decoração era vitoriana e de cores claras, variando entre branco e azul claro. Sean havia escolhido pular diretamente na piscina. Nós ficamos na sala que dava acesso ao quintal para que Sarah pudesse ficar olhando o irmão brincar.

–Ele é uma gracinha – Camila comentou olhando Sean saltar na piscina, realmente se divertindo.

–Não é tão gracinha quando fica bagunçando a casa e não quer arrumar. Mas sim, na maior parte do tempo – Sarah comentou distraída com o cálculo que fazia, até erguer o olhar e ver o irmão – Mas pelo menos ele está podendo ser uma criança normal.

O jeito que ela falava... Como havia sido a infância dela? Por que aquele brilho no olhar dourado que indicava orgulho pelo irmão, como se ele tivesse algo que ela não teve? Eu mal estava conseguindo prestar atenção ao trabalho, mas disfarcei, não queria conversar sobre isso com Camila ali. Queria algo entre eu e Sarah, apenas eu e ela. O trabalho durou a tarde inteira e um pedaço da noite. Deixei os três jogando em outra sala, onde estavam os principais aparelhos de multimídia e fui para a cozinha ajudar a Carmem, nossa cozinheira, a fazer algo para o jantar.

–Não acredito que você sabe cozinhar – Sarah falou da porta.

Levei um pequeno susto, quase cortando meu dedo por estar cortando tomate. Carmem sorriu de leve, era uma mexicana já de idade, desde sempre trabalhava com minha família e por vezes era como uma segunda mãe para mim.

–Ela gosta muito, desde pequena me ajudava a fazer biscoitos para depois come-los todos – Carmem explicou orgulhosa.

–Olha só, já pode até casar – Sarah brincou olhando diretamente pra mim com aquele sorriso de lado dela.

Fiquei sem jeito e tentei voltar ao meu trabalho. Mas Sarah ao invés de ir embora, se aproximou mais e sentou em um banco perto da mesa central. Ela ficava me encarando em silencio, apenas observando... Até eu não aguentar mais, bater a faca contra a tábua e encara-la irritada.

–Vai ficar me olhando apenas? – reclamei.

–Desculpe – ela pediu em um tom baixo, piscando como se tivesse acordando de algo – Mas finalmente descubro algo sobre você. Preciso saber sobre a italianinha da escola, estou na mesma situação que você sobre a redação.

–Hum... Verdade. Então faça algo de útil, corte as batatas e me faça perguntas.

A careta de Sarah me fez sorri, ela não tinha jeito nenhum pra isso, mas ao menos descascava a batata sem fazer muito estrago. Carmem continuava discreta, deixando um espaço visível para mim e Sarah.

–Ok. Deixa-me ver... Estilo de música predileta?

–Varia com meu humor. Io sou do tipo que quando está triste escuta música deprimente para piorar a situação. Sarah, per l'amor di Dio, corta a batata direito ou não sobrará nada dela quando você terminar, va benne?

–Sim senhora – Sarah fez outra careta e tentou cortar mais fino – E estilo de filme?

–Só não gosto de antigos e dramas – respondi voltando a cortar os tomates – E você?

–Adoro filmes de terror. Tem medo de algo?

–Hum – parei para pensar um pouco – Ratos. São asquerosos, surgem do nada, roem tudo e são sujos. Argh! Io não gosto nem de pensar.

–Há quanto tempo está aqui? Seu sotaque italiano ainda é tão forte.

–Cerca de quatro anos já. Mas mio padre fala muito italiano em casa, diz que é para que não percamos o jeito.

–Gosto da Itália, um dia vou levar Sean para assistir um jogo do FC Millan, passear de barco por Veneza e fazer graça com as coisas velhas de Roma.

Sorri quase sem perceber, eu já havia feito grande parte dessas coisas. Quando dei por mim, eu já estava contando da minha antiga escola. Sarah ajudava bem pouco na cozinha, ela realmente era um desastre naquilo e eu tinha medo que ela acabasse se cortando. Eu não me segurei, quando falava de minha odiada inimiga, a Lumena, expressava isso com um ódio interno que fazia minhas palavras saírem bravas. Acabou que falei apenas de mim e não descobri mais nada sobre Sarah. Ela me olhava de uma forma que eu sabia que ela estava prestando atenção, por vezes perguntava alguma coisa para que eu pudesse dar mais informação e me deixava falar livremente, rindo de algo, se surpreendendo com outras coisas.

Quando o jantar estava pronto, descobri que Camila já estava bem amiga do Sean por terem ficado jogando aquele tempo todo. Mais que isso, ele não parecia uma criança de dez anos. Era maduro e brincalhão. Era bonito ver como ele olhava para Sarah quando ficava em dúvida de alguma coisa e ela sorria e o ajudava. No meio da noite, para minha surpresa, mais uma delas, Sarah pegou o violão que era de meu irmão e fomos para a piscina aproveitar a brisa noturna e a lua cheia.

Sarah cantava e tocava. Ela era tímida nesse quesito, sorria sem graça quase sempre quando uma música terminava. Mas era tão boa e sua voz levemente rouca parecia me embalar, ela cantou músicas clássicas do rock o que combinava com sua voz levemente grave. Carmem trouxe o lanchinho da noite, alguns bolinhos de queijo e suco de frutas. Foi o tempo de Camila e Sean quase bocejarem ao mesmo tempo.

–Eu acho que vou dormir – Camila comentou.

–Quer ir também, Sean? – Sarah olhou para o irmão.

Os dois foram os mais ativos do dia. Pedi para Carmem mostrar os quartos e por fim estava a sós com Sarah. Eu estava sentada em uma espreguiçadeira, assim que eles saíram Sarah sentou ao meu lado e me olhou com um sorriso suave.

–Obrigada pelo que fez na escola – ela disse sem jeito, o que me fazia achá-la uma graça.

–Io estava certa, a proposta está de pé ainda. Eles não podem permitir um preconceito assim, ou melhor, discriminação. – disse voltando a ficar zangada.

–Ai Juliette, você às vezes é tão inocente – riu Sarah e ergueu os olhos pra lua – Eu já sou acostumada, as pessoas não aceitam o que é diferente e outras não questionam os dogmas religiosos, os tem como verdade e não se lembram de que antes de qualquer regra há o amor. O que me afeta é quando tentam atingir o Sean com isso.

Ela mexeu no cabelo tentando tirá-lo do rosto, o vento começava a ficar um pouco forte, apesar de não fazer muito frio. Respirei fundo tomando coragem, ela notou isso e virou aqueles olhos dourados hipnotizantes para mim.

–Quando você ficou só com o Sean? – perguntei de uma vez, mostrando em uma única pergunta o que eu já havia deduzido.

s ɪ ᴍ ᴘ ʟ ʏ | | Sariette • ADPOnde histórias criam vida. Descubra agora