09 | vivian

414 25 8
                                    

Eu nem lembrava qual era a sensação de acordar depois das onze, já que aos sábados, ou eu tenho que repor treino, ou a minha mãe me acorda com a sua persona de dona de casa

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Eu nem lembrava qual era a sensação de acordar depois das onze, já que aos sábados, ou eu tenho que repor treino, ou a minha mãe me acorda com a sua persona de dona de casa. É um saco.

Mas não hoje. Hoje ninguém me acordou, e se não fosse pelo volume alto da televisão no andar de baixo, eu diria que estava sozinha. Seria bom demais para ser verdade.

Ouço alguns ruídos de reclamações na cozinha, acho eu, enquanto eu saio do quarto – com a ajuda de uma muleta –, em direção ao banheiro.

Depois de tentar me virar com uma mão só, e falhando um pouquinho, bufei ao saber que teria de chamar Bryce para me ajudar a descer as escadas. Eu conseguia, é claro, não há nada que eu não possa fazer sem um pouco de esforço, mas apenas esse pouco esforço já era o suficiente para fazer os meus olhos lacrimejarem de dor.

─ Ia te chamar agora. ─ murmuro, vendo o mesmo subindo a escada de dois em dois degraus. ─ Não precisa esfregar na minha cara que você consegue, e eu não.

─ Não, eu não queria... ─ ele começa, exasperado, mas para quando percebe a minha expressão de deboche. ─ Você deveria trabalhar em um circo.

Faço um bico, lembrando do tempo em que eu queria ser trapezista em um circo bastante famoso na cidade.

─ Só me ajuda a descer a droga da escada! ─ rosno, vendo o seu sorrisinho de canto, o que tanto me irrita.

Hoje é terça, o primeiro dos sete dias que terei de aguentar todas as provocações – algumas vindas de mim –, todos os gritos e todas as piadas sem graça. Deus me dê paciência, porque se me dê força eu sou capaz de matar o Bryce, enterrar o seu corpo no quintal e construir um gazebo em cima. Quem pegou a referência, pegou.

─ Fiz o café da manhã. ─ ele diz depois de me colocar no sofá.

─ Pensei ter sentido cheiro de queimado mesmo... ─ provoco, sem o olhar. ─ Sou alérgica a amendoim, aliás.

─ Não é não, só é enjoada. ─ ele diz, se aproximando com uma bandeja marrom.

Em cima dela tinha um copo com suco, dois sanduíches cortados ao meio em cima do prato e um potinho com geleia de morango ao lado.

─ Uau. ─ murmuro, olhando tudo. Ele sorri, orgulhoso. ─ Quanto isso vai me custar?

─ Bom, a primeira mordida é grátis. ─ ele ironiza, levando um tapa na coxa em seguida. ─ Não vai custar nada, bobona. Tô aqui pra ajudar, não pra tirar vantajem.

Ergo a sobrancelha ao ouvir suas palavras. Qual seria a vantajem?

Comi em silêncio, assistindo ao desenho animado que passava na televisão, sem deixar de pensar, agora mesmo, eu deveria estar saindo da sala de aula e indo direto para o refeitório. Ficar em casa é muito agonizante para quem já acostumou a estar fora o dia todo.

─ A sua amiga passou aqui mais cedo. ─ ele diz, provavelmente se lembrando agora. ─ Ela entregou umas coisas suas que ficaram na escola ontem e disse que depois do treino ela vai passar aqui pra te ver. Todos os dias.

─ Sozinha? ─ pergunto.

Eu e Charli somos amigas desde que eu me mudei, há seis anos. Nailea chegou por último, no começo do ano passado, e ainda tem alguns problemas em se entregar muito na nossa amizade, por isso, ela é a mais distante de nós, mas por escolha própria.

─ Não sei. ─ ele responde, mexendo os ombros. ─ Ah, sua mãe mandou avisar que vai chegar mais cedo hoje. ─ assinto, sem tirar os olhos da televisão.

Eu ainda não conseguia controlar os meus sentimentos – principalmente a culpa – estando no mesmo cômodo que os dois. E provavelmente, isso não mudaria hoje. E nem amanhã.

Quando eu menos esperava, a campainha tocou.

─ Você deveria estar se trocando para o treino, Charli! ─ a repreendo quando a mesma entra no meu campo de visão. Ela usava a camisa do uniforme e uma calça jeans, como sempre.

─ E você não deveria comer besteira na hora do almoço. ─ ela rebate, apontando para a bandeja vazia que nem eu e nem Bryce tivemos coragem para levar de volta até a cozinha. Eu havia terminado de comer há mais de uma hora. ─ Devia ter me esperado!

Abro um sorriso quando ela pula no sofá, colocando a bolsa no chão. Eu sabia que ela tinha gastado um bom dinheiro com besteiras e coisas que me manteriam ocupadas, que manteriam a minha mente ocupada.

─ Acho que você vai engordar vinte quilos até conseguir andar de novo. ─ Bryce provoca, dessa vez sentando na poltrona, deixando o sofá para Charli.

─ E vou continuar gostosa. ─ retruco, piscando para ele. Penso ter escutado um "vai mesmo", mas ignoro. Tenho que ignorar. ─ Por favor, meu servo, me leve até o meu quarto.

Charli riu quando Bryce bufou, mas mesmo assim veio até mim e me pegou no colo, subindo as escadas logo depois.

Aproveito para passar os braços pelo seu pescoço, colocando todo o peso do meu corpo nas costas. Ouço seu resmungo.

─ Não se aproveita da minha boa vontade, Vivian. ─ reviro os olhos, com um sorriso presunçoso nos lábios.

─ Acredite, você é a última pessoa que eu gostaria que estivesse aqui. ─ sou sincera, ou penso que fui, mas minhas palavras parecem não o incomodar.

─ Não sei se acredito. ─ ele murmura de volta, me colocando no colchão. ─ Quem mais faria um café da manhã caprichado como o meu?

─ O último namorado da minha mãe era chef em um restaurante, então... ─ provoco, observando seus olhos cerrarem levemente. ─ Mas ele provavelmente cobraria por cada refeição, então eu tenho de me acostumar com você até eu tirar essa coisa do meu pé.

─ Muito carinhoso da sua parte. ─ ele passa as mãos pelo jeans.

Nós dois olhamos para a porta quando a mesma rangeu. Charli segurava o seu cabelo no alto com uma mão, enquanto segurava a mochila com a outra; depois de colocar a mochila ao lado da cama, ela prende o cabelo em um coque bem preso e se senta na ponta da cama.

─ A menos que você queira ouvir sobre garotos, pintar o cabelo e comer besteira, eu acho melhor você sair. ─ ela é direta, arrancando um riso debochado de Bryce.

─ Eu aceitaria, mas ainda não estou pronto para estragar essa coisa linda. ─ ele diz, passando os dedos pelo cabelo mais devagar do que o normal.

Acho que babei.

─ Não vai, é tinta de papel. ─ nós dois a olhamos, confusos. ─ Qual é, todo mundo sabe que dá pra extrair a tinta do papel crepom e pintar o cabelo. É fácil, rápido e sai em três lavagens, eu já fiz com a minha prima uma vez.

Ergo a sobrancelha em derrota, sabendo que não tinha como negar. Eu sairia correndo se pudesse.

─ Minha resposta ainda é não. ─ ele diz, depois de alguns segundos em silêncio. ─ Se divirtam.

─ Nós vamos. ─ ela responde por mim, esperando que ele fechasse a porta para dizer o que estava tão agoniada para dizer. ─ E aí, rolou?

Demoro alguns segundos para entender o que ela quis dizer, e quando entendo, faço uma careta.

─ Por deus, Charli! Eu mal posso andar, você acha que eu ia conseguir transar? ─ ela ergue a sobrancelha, e eu fico em silêncio, sabendo que vacilei.

─ Então essa foi o único motivo? E aquele papo de "não vou fazer isso com a minha mãe"? ─ ela cruza os braços, esperando uma resposta.

Eu não tinha nenhuma em mente.

─ Vamos pintar o cabelo?

────────────────────────

𝗠𝗢𝗠'𝗦 𝗕𝗢𝗬𝗙𝗥𝗜𝗘𝗡𝗗. Onde histórias criam vida. Descubra agora