49 | vivian

166 17 0
                                    

É Halloween

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

É Halloween.

Minha fantasia estava jogada em cima da cama, mas eu não tinha disposição e nem coragem de me despir para vesti-la. Talvez dona Vanessa ficasse brava comigo por isso, mas ela sequer estava em casa – e não chegaria tão cedo.

Eu procrastinei o dia inteiro. Acordei as onze da manhã, tomei café às onze e meia e almocei às três da tarde. Eu estava assistindo televisão quando a fechadura fez barulho e a porta abriu, mostrando meus melhores amigos.

Tay, como já havia dito, estava em sua fantasia de pirata, Charli e Nailea eram gêmeas siamesas – as gatas, não o outro tipo. E os três estavam de braços cruzados e caras fechadas.

─ Não me olhem desse jeito! ─ digo. ─ Não são vocês que estão carregando um bebê na barriga. Vocês sabiam que esse peso todo dá uma puta dor nos pés?!

Nenhuma mudança de humor.

─ E dói a coluna também. ─ continuo. ─ E é por isso que eu não vou.

Eu tinha acordado muito animada para a festa, que a essa hora já estava acontecendo. O que rolou foi que um pouquinho depois do almoço as minhas costas começaram a doer muito, e até agora eu não entendi o porquê – afinal, dores assim crescem gradativamente a cada mês, e não aparecem de uma hora para outra. Sendo normal ou não, eu não aguentaria ficar nem trinta minutos lá.

─ Eu não acredito que você vai passar o halloween sozinha! ─ Nailea exclama, parecendo irritantemente fofa com o nariz pintado de preto e três linhas puxadas em cada bochecha.

─ Ela não vai. ─ nós três olhamos para Tay, que havia murmurado. ─ Qual é, eu já enjoei dessas festas. Aliás, vocês preferem encher a cara por horas ou aproveitar essas mesmas horas com essa gravidinha? Eu prefiro a segunda opção.

─ Apoiado! ─ Char comenta.

Eu realmente preciso dizer que eu estava começando a desabar em lágrimas?

─ Eu acho que ela não quer que a gente fique. ─ ouço Nailea sussurrar para os dois e dou risada.

Sem dizer nada, puxo os três para um abraço coletivo e então choro mais ainda.

─ Eu amo vocês. ─ digo, intercalando o olhar entre cada um dos três. ─ Eu não poderia ter amigos melhores.

Nós quatro estávamos sorrindo, e eu achei que nada pudesse estragar aquele momento único, mas eu estava enganada.

Por breves dez minutos eu me esqueci da cobra que eu abrigava na minha casa, e só me lembrei quando a mesma desceu os degraus correndo, vestida de Cleópatra.

─ Feliz Halloween! ─ e saiu.

Minha felicidade voltou.

─ Ela poderia ter mais em comum com a Cleópatra, não acham? ─ Nailea indaga.

─ Tipo morar no Egito, bem longe de nós? ─ Char questiona.

─ Ou ser caçada e odiada por multidões? ─ Tay pergunta.

─ Eu tinha pensado no fato de que a Cleópatra tá morta, mas esses também servem. ─ Nailea esclarece e sua casualidade me faz rir.

Os três ficaram comigo a todo momento pelo resto da noite. Eles tiraram as fantasias – Tay tinha algumas peças de roupa perdidas pelo meu quarto, assim como Charli, e eu emprestei um short e uma camiseta para Nailea – e me ajudaram a fazer com que minha sala de estar parecesse com uma espécie de cinema.

Arrastamos os sofás – eles arrastaram! Eu não pude mover um fio de cabelo – e colocamos um colchão de casal no chão. Reforçamos as cortinas e colocamos em um canal que transmitia uma maratona de filmes de terror, perfeitos para a noite de Halloween.

Como a maioria das coisas estavam fechadas por causa do feriado, tivemos que nos virar na cozinha. Nailea fez um doce de chocolate estranho – mas muito gostoso –, Charli fez pipoca e Tay correu até a vendinha na esquina para comprar refrigerante.

No atual momento, eu e Nailea estávamos arrumando as coisas na mesa de centro antes que o próximo filme começasse, e então ela falou:

─ Acho que eu tô apaixonada. ─ um copo de plástico cai da minha mão no mesmo instante. ─ Não é pra tanto!

─ Você tá de sacanagem? É pra tanto sim! ─ grito em um murmúrio. Não sabia se ela queria que os outros soubessem agora, ou se já sabiam, ou se ela os contaria depois. ─ Então você caiu no encanto do Reeves, hum?

Suas bochechas esquentam e meus olhos arregalam. Acho que já mencionei antes o fato de que Nailea é muito introspectiva, e raramente demonstra sentimentos a fundo. Então, sim, vê-la corar de vergonha é uma surpresa e tanto.

─ No começo eu queria que ele largasse do meu pé, mas não importava onde eu fosse, lá estava ele. ─ ela diz e bufa. ─ E você sabe bem como eu sou, não estava suportando que alguém se aproximasse tanto como ele estava fazendo, então eu...

Não era a famosa pausa dramática, era algo muito mais realista e muito mais pesado.

Ela estava chorando.

─ Eu transei com ele. ─ ela revela. ─ Mas não porque eu queria. Digo, eu queria sim, e muito, muito mesmo, mas eu só segui em frente porque achei que depois que ele tivesse o que ele queria, ele me deixaria em paz, entende?

Eu ainda estava chocada demais para esboçar alguma reação. Primeiro, Nailea se abre comigo – o que é uma coisa realmente rara – e depois me conta que transou com Anth só pra não ter que lidar mais com ele.

─ E isso aconteceu? Ele te deixou em paz? ─ pergunto, ainda em tom baixo.

─ Quem me dera. ─ ela da um pequeno sorriso depois de uma rápida risada nasal. ─ Ele só ficou mais próximo. Invadia a minha casa de noite e dormia comigo, comprou roupinha pra minha gata... ─ ela ri. ─ Ele até me levou pra jantar dois dias depois do boliche.

Eu não sabia se ficava mais preocupada com Charli e Tay aparecerem enquanto Nailea falava, ou com o fato de Charli e Tay não aparecerem há dez minutos.

─ Eu não queria isso. Eu não quero isso, V. ─ ela sussurra com um fio de voz. ─ Eu pensei que estava tudo sob controle, mas aí eu vi ele com uma garota e me deu uma coisa estranha no estômago e uma raiva repentina e...

─ Ciúmes, Nailea. ─ ofereço a ela um sorriso fraco. ─ Você sentiu ciúmes.

─ Eu não sei se consigo aguentar isso. ─ ela desvia o olhar. ─ Eu já tive alguns namorados, mas nenhum deles como o Anth. Ele é tão atencioso e carinhoso...

Eu sabia qual era o problema que ela tinha que lidar, porque era o mesmo que o meu: medo de abandono. Ao contrário de mim, que cresci muito bem sem meu pai, Nailea foi criada pela avó até que a mesma morresse, e Nailea fosse naturalmente obrigada a morar com a mãe – que não passa de uma alcoólatra narcisista. Nailea tem que lidar com abandonos diários, mas não no sentido literal da palavra, mas sim um abandono emocional. Isso faz sentido? Não sei.

─ Isso tem algum botão de ligar e desligar? ─ sua voz tinha um pingo de humor, e eu sorri.

─ Se algum dia você encontrar, me prometa que eu serei a primeira a quem você contará. ─ respondo, suspirando.

Eu não queria ter que pensar em Bryce, não agora que eu estava me acostumando – de novo – a ficar sozinha.

─ Eu prometo.

────────────────────────

𝗠𝗢𝗠'𝗦 𝗕𝗢𝗬𝗙𝗥𝗜𝗘𝗡𝗗. Onde histórias criam vida. Descubra agora