19 | vivian

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O restante do sábado foi calmo, em compensação a manhã quente que eu tive

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O restante do sábado foi calmo, em compensação a manhã quente que eu tive. Charli passou o dia e a noite aqui – dizendo que não podia arriscar que eu me entregasse para a minha mãe no dia seguinte, como se eu fosse burra o suficiente para fazer isso –, já que seus pais já haviam voltado para casa.

Agora são onze e quarenta da manhã de domingo, minha mãe já havia me dito mais cedo que chegaria antes das cinco, ou seja, ela pode chegar a qualquer momento.

─ Vocês dois são malucos. ─ ouço Char murmurar enquanto mergulhava seu garfo na macarronada que eu fiz.

─ Hum? ─ me faço de sonsa, mesmo que tenha entendido o que ela disse.

─ Vocês dois são malucos! ─ ela repete, mais alto, desta vez. ─ E se a tia Vanessa tivesse chegado ontem e visse vocês numa putaria doida daquela?!

Ela agia mais como minha mãe do que a minha própria mãe.

─ Não tô no clima pra essa conversa, Charli. ─ digo seriamente, sendo honesta.

Além do fato de que a minha mãe está voltando e eu teria acabar com a minha fantasia louca de transar loucamente com o meu padrasto pelas costas dela – o que já era motivo o suficiente para arruinar o meu dia –, também tinha a questão da última semana de aula. O meu tornozelo já estava bom o suficiente para que eu voltasse a escola, porém, eu duvido que possa fazer o que fazia no treino antes do acidente, o que me deixa ainda mais puta da vida.

Charli respeitou as minhas palavras e não tocou mais no assunto, voltando a deixar que o silêncio nos consumisse.

Minha mente estava a mil por hora. Aulas perdidas, treinos perdidos, meu caso com o namorado da minha mãe, a culpa que eu carregava por isso. Estava tudo uma bagunça.

─ Olá, família! ─ e para piorar a minha mente em crise, lá estava ela, dona Vanessa em carne, osso e bom humor.

─ Tia! ─ Charli foi a única a se levantar do sofá para abraçar a minha mãe; eu daria a desculpa do meu tornozelo machucado caso ela me questionasse. ─ Ainda bem que você chegou, eu não aguentava mais o tédio desses dois.

Mas é uma coisinha falsa.

Minha mãe apenas ri, vindo até mim para me dar um beijo na testa e, em seguida, um selinho caloroso em seu namorado.

É o namorado dela, Vivian, isso é completamente normal. Eu repetia essa mesma frase na minha mente a cada segundo, encarando as minhas unhas.

─ Estava preocupada que tivessem destruído a casa sem mim, mas vejo que fizeram um bom trabalho. ─ dou um sorriso forçado em resposta, para não parecer rude. ─ Por que essa cara de enterro? O que aconteceu?

─ É só preocupação pelas provas dessa semana, nada demais. ─ não minto, mas omito parte do motivo. ─ Aliás, eu preciso estudar.

Eu burlaria o meu próprio atestado e voltaria amanhã mesmo para o colégio, não terça, como o descrito.

Charli subiu comigo até o meu quarto, e eu fiz o que disse que iria fazer. Estudei para espanhol, física e filosofia; parei apenas quando tive certeza que minha mente estava cheia de palavras em espanhol, equações e importantes filósofos do mundo, não tendo espaço para o drama familiar que eu estava vivendo.

─ Eu tenho que ir embora. ─ a voz doce de Charli me desperta. ─ Olha, Ronnie... Eu não concordo nem um pouco com o que vocês dois fizeram, e provavelmente farão de novo, mas eu nunca te julgaria por isso.

Estreito os olhos de brincadeira.

─ Ok, talvez só um pouquinho. ─ nós rimos. ─ Mas você sabe que você é como uma irmã pra mim e, consequentemente, a sua mãe é como uma segunda mãe. Se não fosse por isso, eu te apoiaria cem por cento a fazer o que o seu coração manda.

─ Relaxa, Char. ─ a abraço. ─ Não é como se o seu julgamento valesse de alguma coisa, afinal.

Recebo um tapa forte na bunda e dou risada, apesar da dor. Charli, antes que seu pai se assumisse ser homossexual, acabou dando uns beijos em Charlie – seu atual padrasto que, na época, tinha vinte anos e ela quinze, em um barzinho de esquina. Duvido que seu pai saiba disso.

Charli negou que eu a levasse até a porta e sumiu em seguida, me deixando sozinha no quarto. Apenas eu e a minha mente atribulada.

Só percebi o que estava fazendo quando senti a textura do lápis entre meus dedos. Eu estava na escrivaninha, segurando um lápis e esboçando linhas sobre uma folha de sulfite. A maioria dos meus desenhos são feitos quando eu estou no meu estado de crise – seja ela existencial, pânico ou o que for – e, sem nenhuma surpresa, eles ficam melhores do que os que eu tanto me dedicava para fazer.

O contorno do vestido tinha uma simetria perfeita, diferente do que a maioria dos meus desenhos. Não houve tempo para me surpreender, já que eu não conseguia parar de mover a mão sobre o papel.

Eu não costumava colorir meus desenhos – além da falta de habilidade e paciência, eu acreditava que isso acabava com a essência deles –, mas dessa vez eu forçava o lápis de cor contra a folha, deixando o desenho um pouco esquisito e marcado pelo grafite grosso.

Não sei quanto tempo demorou para que eu acabasse, mas quando o fiz, levantei da cadeira em um pulo. A saia do vestido era preta, totalmente preta, enquanto a parte de cima era de um azul bebê, com linhas leves de azul marinho. O que quer que aquilo significasse – que eu acreditava ser como a minha cabeça está agora –, não era bom.

─ Ronnie? ─ me viro para trás, assustada. Minha mãe estava parada no pé da minha cama, e não parecia ter chegado ali há pouco tempo. ─ Quer conversar sobre isso?

Eu sabia que ela estava se referindo ao desenho, mas só o tom preocupado em sua voz foi capaz de me desestabilizar por completo.

Como eu pude ser tão egoísta?

─ Você não tem uma crise como essa há meses. ─ ela sussurra, vindo me abraçar. ─ É só respirar, se lembra? Inspirar e expirar.

Ela repete aquelas palavras mais algumas vezes, até que eu estivesse melhor ao ponto de conseguir formular uma frase coerente.

Qualquer esforço e progresso que eu havia atingido se foi quando os meus olhos atingiram a íris castanha de Bryce, escorado no batente de madeira da porta.

Felizmente, minha mãe não notou que fora ele o motivo da volta do meu choro, apenas me abraçou novamente e repetiu o mesmo processo que havia feito antes.

Percebendo ser o motivo daquilo, Bryce some pelo corredor, me levando a uma conclusão: eu não poderia ficar aqui enquanto ele estivesse.

Pegando apenas o meu celular e a caixinha de calmantes – que eu costumo tomar apenas nessas ocasiões –, eu saí do quarto às pressas, encaixando o tênis esportivo nos pés e andando o mais rápido que o meu tornozelo torcido deixava. Dona Vanessa não me barrou, ela sabia que eu precisava tomar um ar.

Quando eu estava começando a ficar incomodada pelos fortes raios de sol no meu rosto e a dor latejante nos meus pés, eu percebi onde estava. O prédio cobria o sol, permitindo que eu olhasse para cima sem queimar minhas retinas.

O porteiro liberou a minha entrada sem que eu precisasse interfonar. Logo, as dobradiças da porta de madeira branca rangeram e, ao perceber o meu estado, Charli me abraçou imediatamente.

Estava tudo bem agora.

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𝗠𝗢𝗠'𝗦 𝗕𝗢𝗬𝗙𝗥𝗜𝗘𝗡𝗗. Onde histórias criam vida. Descubra agora