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MAL A PORTA começou a se abrir, um homem se enfiou de través para impedir que fosse fechada e entrou rápido. Ainda jovem, forte e de um tamanho descomunal, usava um hábito comprido, escuro, com capuz e mangas largas. Um cordão lhe servia de cinto, com um imenso rosário pendurado do lado, e a mão dele se apoiava num grosso e nodoso cajado de corniso.

Vestido da mesma maneira, um velho seguia humildemente o bem-disposto frade.

Após as saudações habituais, todos se juntaram à mesa com os recém-chegados, voltando a alegria e a confiança. Os moradores, no entanto, não tinham se esquecido do assobio no andar de cima e da resposta na floresta, mas disfarçavam a apreensão para não assustar os hóspedes.

— Bom e bravo lenhador, aceite minhas congratulações, sua mesa está admiravelmente bem servida! — exclamou o corpulento frade, devorando um enorme pedaço de assado. — Se não esperei que me convidassem para a ceia foi pelo fato de meu apetite, tão agudo quanto a lâmina de um punhal, não permitir delongas.

A maneira de falar e os modos do desinibido personagem estavam mais para os de um soldado no rancho do quartel do que para os de um homem da Igreja. Naquele tempo, contudo, os frades tinham grande liberdade de ação e eram muito numerosos; a sincera religiosidade e as virtudes da maioria deles mantinham o respeito que o povo estendia à classe inteira.

— Bom homem da floresta, que a bênção da santíssima Virgem derrame sobre a sua casa a felicidade e a paz! — disse o monge mais velho, abrindo um primeiro naco de pão, enquanto o seu companheiro devorava o que tinha à frente, regando tudo com sucessivas talagadas de cerveja.

— Os bons irmãos hão de perdoar a demora para abrir a porta — desculpou-se Gilbert. — A prudência...

— É claro... prudência nunca é demais — concordou o frade mais moço, tomando fôlego na mastigação. — Um bando de ferozes vigaristas anda por essa área. Há uma hora, se tanto, fomos abordados por dois miseráveis que, apesar de negarmos, insistiam em acreditar que escondíamos em nossos alforjes algumas amostras desse vil metal chamado dinheiro. Por são Bento! Bateram na porta certa e eu já me preparava para entoar nas costas deles um cântico a porretadas, quando um assobio, ao qual eles responderam, deu-lhes o sinal para a retirada.

Todos os demais à mesa se entreolharam com ansiedade e somente o frade, que filosoficamente continuava seus exercícios gastronômicos, parecia não se preocupar.

— Grande é a Providência de Deus! — prosseguiu ele após um curto silêncio. — Sem os latidos de um de seus cães, que reagiram aos assobios, não teríamos visto a casa e, já que a chuva começava também a cair, só nos restaria o consolo da água cristalina; como rezam, aliás, as regras da nossa ordem.

Assim dizendo, o monge encheu e esvaziou mais um copo de cerveja.

— Bom cachorro — acrescentou o religioso, se inclinando para fazer um afago no velho Lance que, por acaso, se deitara a seus pés. — Nobre animal!

Entretanto, rejeitando a atenção do monge, Lance se pôs de pé, esticou o pescoço, farejou e rosnou forte.

— Aqui, Lance! Aqui! — chamou Gilbert, passando a mão no pelo do animal. — O que houve?

Como se respondesse, o cão deu um salto até a porta e lá, sem latir, novamente farejou, atento, virou a cabeça para o seu dono e pareceu pedir, com os olhos inflamados de raiva, que lhe abrisse a porta.

— Robin, passe o meu bastão e pegue o seu — disse Gilbert em voz baixa.

— Conte comigo — disse o frade mais moço. — Tenho um braço de ferro, punhos de aço e um porrete de corniso. Tudo à disposição dos senhores, em caso de ataque.

O príncipe dos ladrões (1872)Onde histórias criam vida. Descubra agora