7

85 9 0
                                    

GILBERT CONTOU A MARGUERITE o que soubera por Roland Ritson, sem mencionar os crimes mais graves, referindo-se também muito pouco aos amores e ao desventurado fim da sua irmã Anete.

— Imploremos a esse insensato a misericórdia de Deus — disse Marguerite, escondendo as lágrimas para não aumentar o pesar do marido.

O velho frade se ajoelhou junto ao cadáver e deu início à oração dos mortos. Gilbert e Marguerite se juntaram a ele e Lincoln encarregou-se de abrir uma cova entre o carvalho e a faia designados pelo infeliz Ritson. Em seguida, esperaram a volta dos que haviam ido a Nottingham, para concluir o funeral. Cansada de andar à frente do cottage e sem muito o que fazer, Marian resolveu ir ao encontro do irmão na estrada. Lance dormia diante da porta de entrada; ela chamou-o, fez um afago com suas alvas mãos e se foi com ele, sem avisar Gilbert.

Por um bom tempo a jovem caminhou pensativa, sonhando com o futuro do irmão. Sentou-se em seguida à sombra de uma árvore e, com a cabeça entre as mãos, começou a chorar. Por quê? Saberia ela mesma dizer? Não. Negros pressentimentos provocavam-lhe arrepios e, através de mil imagens confusas, vagamente esboçaram-se o vulto querido de Allan, mas também a do seu jovem companheiro, o verdadeiro conde de Huntingdon.

O fiel Lance se deitara bem à frente e, de focinho erguido, fixava nela seus dois olhões redondos que resplendiam inteligência. Parecia entristecer-se com a mesma tristeza da moça e ter, como ela, sombrios pressentimentos, pois em vez de dormir se mantinha atento.

O sol já clareava apenas o cimo das árvores maiores e o crepúsculo enegrecia o matagal, quando Lance se ergueu nas patas e soltou pequenos ganidos, agitando a cauda.

Esses sinais arrancaram dos devaneios Marian, que se censurou por estar àquela hora ainda na floresta, mas as alegres demonstrações do animal, vendo-a despertar, a tranquilizou. Retomaram o caminho de casa, com a moça esperando ainda que Allan não tardasse a voltar.

Lance não seguia mais atrás de Marian, como pela manhã. Tomava farejando a dianteira, como batedor, e de vez em quando virava a cabeça para ver se a jovem ainda o seguia.

Fiando-se no instinto do seu guia, ela estava certa de não se perder, mas assim mesmo apressava o passo, pois o escuro rapidamente se impunha e as primeiras estrelas já cintilavam no azul do céu.

De repente, Lance parou, aprumou-se nas patas, esticou o pescoço e o corpo, apontou as orelhas, contraiu o focinho, farejou o ar, bufou e latiu forte, com raiva.

Marian ficou paralisada de medo, procurando descobrir o porquê daquela atitude.

— Talvez seja Allan — pensou a moça, tentando ouvir alguma coisa.

Tudo estava em silêncio. O cachorro se acalmara e ela parou de tremer. No exato momento, porém, em que retomava a caminhada e ria do medo que sentira, ouviu o barulho de alguém andando ligeiro no mato ali perto e Lance voltou a rosnar, mais furioso e enraivecido ainda.

O medo de ser atacada por um fora da lei deu asas à jovem e ela desandou a correr pelo caminho. Mas logo teve que parar de cansaço e quase desmaiou ao ouvir um homem dizer alto, com voz rude e imperiosa:

— Chame de volta o seu cão!

Lance, que tinha ficado para trás, procurando proteger a fuga de Marian, acabava de saltar sobre o indivíduo que a perseguia.

— Chame o seu cão! — gritou novamente o desconhecido. — Não quero lhe fazer mal.

— Como vou saber se está falando a verdade? — respondeu Marian, conseguindo um tom quase firme.

— Há muito tempo já lhe teria enviado uma flecha no coração, se quisesse. Repito, chame o seu cachorro!

Os dentes de Lance já haviam estraçalhado a roupa e era à carne que agora rasgavam.

O príncipe dos ladrões (1872)Onde histórias criam vida. Descubra agora