Certo, então... Por onde se começa a contar uma história assim?
Mais uma vez, me peguei sentada sobre aquela poltrona, onde eu jurei que nunca mais sentaria.
Deus, como eu me sentia mal em estar exposta, em um lugar que, aparentemente, deveria me dar a sensação de conforto necessário pra me abrir e me expor à uma estranha, como se ela pudesse resolver tudo em um passe de mágica, ou me dar a receita exata de como resolver os meus problemas, sem saber o contexto ou a minha trajetória, a minha personalidade, e muito menos a das pessoas ao meu redor, que haviam me causado tudo aquilo.
Eu passei por terapias desde adolescente, porque sentia que a minha vida era uma droga. Mal sabia que o futuro seria pior. Com 13 anos, eu era uma anônima, não tinha quase nada com que me preocupar. Talvez o real problema tenha começado quando todos me conheceram. Ou melhor, quando me conheceram e gostaram de mim. Ali, eu me senti na obrigação de ser o que os outros queriam. E ser conhecida... Porra, era bom pra caralho. Mas... Tente viver no meu lugar por um dia. Um dia bastaria. Quando me sentei naquela poltrona pela primeira vez, novamente, aquela mulher me olhava como se tentasse ler a minha alma com os olhos, mas rasgaria o diploma se soubesse o que eu realmente pensava e sentia. Só duas pessoas conseguiram me ler sem que eu precisasse dizer as frases em voz alta.
— Você pode começar por onde achar melhor, faça da forma que for mais fácil e confortável pra você. – A voz me incentivou, calma, me dando uma liberdade fictícia.
Por que eu preciso contar os meus problemas à uma desconhecida?
O que me aliviava ali era o nítido mútuo desconforto. Por mais que ela tentasse, não conseguia fingir que gostávamos daquilo. Eu não gostava de estar ali e da ideia de falar sobre aquela parte específica da minha vida; e ela, claramente, não gostava de saber que uma paciente estava sendo praticamente forçada àquela consulta. Nenhum profissional gostaria. Mas ambas sabíamos que eu precisava estar lá, pelo bem da minha sanidade mental, ou do que havia sobrado dela.
O que me salvaria, realmente, seria uma máquina do tempo, mas enquanto não temos uma disponível, eu precisaria de outras alternativas, certo?
"Precisamos lidar com o nosso passado, de uma forma ou de outra."
Ela tinha razão. Era horrível admitir, mas ela tinha razão. E aquela frase rodava na minha cabeça o tempo todo. Os meus dias ficavam pra trás e eu sentia que eles enferrujavam. Eu ouvia as pessoas falarem do passado como algo bom e bonito, como um livro antigo, que tem aquele cheiro característico e suave, ou um álbum de fotografia, que abria automaticamente um sorriso no rosto e nos levava de volta aos dias simples em que éramos crianças, mas o meu passado tinha uma aparência enferrujada, tinha gosto de ferrugem, e isso não poderia ser algo bom, nem de se ver, nem de contar aos outros.
— Certo. – Recobrei a consciência ao exato momento em que vivia, e ajeitei minha postura, cruzando as pernas, sem saber por onde começar.
Os segundos de silêncio deixavam uma dúvida pesada no ar se eu começaria a falar em algum momento. Talvez o meu medo, na verdade, não seria não saber o que falar, mas começar a falar e desencadear a série de acontecimentos dos últimos tempos, e eu não conseguir mais parar.
Eu odiava falar sobre aquilo. Porque falar me fazia pensar, e pensar me fazia lembrar, e lembrar me corroía, até me fazer chorar. Eu ainda conseguia me lembrar claramente da última vez que havia chorado, e a lembrança de chorar me fazia sentir tão pequena, tão frágil, e indefesa. E eu odiava me sentir pequena. Quando a gente experimenta ser grande, nunca mais quer voltar.
— Quer me contar como tudo começou?
— "Tudo" a minha vida inteira, ou "tudo" dos últimos meses?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob Minhas Condições (Romance Lésbico)
RomanceApós anos de prestígio e sucesso nas telas de TV e redes sociais, Larissa Simões presenciava o constante declínio de sua carreira. Quando um episódio constrangedor ameaçou a imagem impecável que carregava há anos, seu caminho cruza com Clara, e ela...