Capítulo 15

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Então... Talvez a minha vida fosse realmente um pouco fácil, como a Clara havia me sugerido em uma indireta bem direta na noite anterior.

Eu ainda pude dormir por umas 10 horas antes de ser acordada tranquilamente e tomar um belo café da manhã antes de seguir para o aeroporto pra fazer a viagem de última hora planejada pelo João. Um voo particular resolve o problema de qualquer celebridade, especialmente uma que não saiba ser exatamente pontual com horários de voos comerciais. Outro ponto positivo é que eu nunca precisava fazer as minha malas, elas sempre apareciam prontas na minha porta, eu só precisava me dar ao luxo de puxá-las e fingir que todo o trabalho foi meu. Parando pra pensar, é bizarro pensar que existia alguém que simplesmente entrava no meu closet e escolhia as roupas que eu devia usar, baseada no evento ou destino da viagem, e eu sequer tinha escolha de voto ou opinião naquilo, afinal, ou eu usava o que me mandavam, ou saía pelada, certo?

O voo pra Recife foi tranquilo, houve uma pequena recepção no aeroporto que foi até maior do que eu esperava, visto que foi uma viagem quase inesperada. O trabalho decidido de última hora era pra uma marca de produtos de beleza com quem eu já tinha um contrato, então quase tudo já era "da casa"; bastou uma sessão de fotos e alguns vídeos curtos pra eles ficarem satisfeitos, e eu passei dois dias em um resort, de biquíni, à beira de uma piscina. Algumas garotas, a maioria adolescentes, me paravam e tiravam fotos comigo, e eu percebia que eram garotas que também estavam descobrindo a sua sexualidade, descobrindo o mundo, se assumindo, e eu percebi que estava fazendo parte do mundo delas nessa fase. Eu, uma farsante. Entre sorrisos, eu tentei dissipar os pensamentos de culpa que começavam a me pinicar, mas no silêncio do voo de Recife pra São Paulo, aqueles pensamentos bateram à porta novamente. Por mais que eu tentasse fugir, eu me perguntava quase constantemente no que aconteceria se todos descobrissem que tudo aquilo era um golpe, uma jogada de marketing.

— Ei! O que você tem? – João tocou meu joelho, me incentivando a desabafar. – Está quieta o dia todo.

— Nada, é só... Sei lá. 

— Fala, garota! – Ele insistiu, talvez por preocupação ou impulso em manter o controle sobre mim.

— Você... Acha que o que a gente tá fazendo é errado?

— Como assim?

— Essa história toda com a Clara. 

— Por quê!? – Ele franziu o cenho, estranhando o questionamento.

— Porque... Você é gay. Se... Se você admirasse muito um artista gay e descobrisse que ele só fingiu que era gay pra ter fama em cima disso, o que você acharia?

— Acharia que ele é um gênio. – João gargalhou, sem o menor peso na consciência em achar graça naquilo.

— Não acha que isso é uma completa falta de caráter?

— Não. Você acabou de sair de um namoro por conveniência com o Felipe, não? Não se sentia mal pelos milhões de heteros que achavam que vocês namoravam...

— É diferente, João. – A frase me saiu pesarosa. – Eu vejo meninas se aproximando de mim com um olhar diferente, como se eu fosse... Sei lá, uma inspiração, algo que as motiva a fazer o mesmo.

— Então você é uma inspiração, querida, anime-se! – João me deu três tapinhas sobre o joelho, tentando finalizar o assunto e voltando a sua atenção ao drink que tomava.

— Só tem um problema, João. – Encarei os seus olhos com indignação. – Tudo isso é uma mentira.

Antes que ele pudesse retrucar, eu voltei os meus olhos à janela e apenas encarei o céu azul que tínhamos como vista.

Sob Minhas Condições (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora