Capítulo 27

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Família.

Quando eu entendi que tudo que levou Clara até aquele covil foi sua família, eu lembrei do amor incondicional que existe entre uma mãe e uma filha, e eu conhecia aquele amor – apesar de já esquecer na maioria dos meus dias de adulta. Eu teria feito o mesmo pela minha mãe, sem pestanejar. Se eu precisasse mentir, ou roubar, ou perder toda a minha dignidade pra manter minha mãe viva e a salvo, eu faria. E enquanto eu seguia aquele carro preto pela estrada à beira-mar, e ouvia apenas o som das ondas quebrando forte ao longe, tudo em que eu conseguia pensar era nisso: Família.

Clara cresceu sem laços afetivos com o pai, o que era uma perda, e havia perdido o irmão de forma trágica; sua mãe era tudo que havia restado, então é claro que ela faria qualquer coisa pra manter a mãe viva e, se possível, também manter a si mesma. As duas só tinham uma à outra, e eu sabia bem o que era aquilo, porque também tinha somente à minha mãe, apesar de ser apenas uma criança quando a minha mãe era o mundo.

Eu tentei com todas as minhas forças não desconfiar de Clara, mas não tirava da cabeça o fato de ela mencionar as joias que sequer havia visto ou ouvido falar. Eu me conformei com a triste ideia de que ela estava me escondendo mais coisas, mas talvez, quem sabe, ela tivesse ouvido isso de algum daqueles homens, ou... Eu não sei, eu continuava dando chances à ela, mas as dúvidas me deixavam um pouco mais louca, lentamente.

Exatamente como eu pensei, nosso destino era um casa luxuosa, em um local afastado à beira-mar, acima das pedras que compunham aquele litoral extenso, e lá o mar quebrava ainda mais forte. Era óbvio que Clara devia à uma pessoa com poder. Alguém que, apesar de cobrar tudo com juros, tinha dinheiro o suficiente pra ser paciente e explorar e torturar enquanto o pagamento não acontecia.

O enorme portão da casa, os muros altos e a forte segurança na entrada da propriedade mostravam que não era qualquer pessoa que entrava naquele lugar. O motorista do carro à minha frente conversou com um dos seguranças por alguns segundos, e este logo caminhou em direção ao meu carro, acenando pra que eu abaixasse os vidros, o que fiz com feição séria e sem qualquer contato visual. Com uma arma em punho, ele se aproximou, e depois de confirmar que eu estava sozinha no carro, fez um gesto que liberava minha passagem pelo portão. 

Aquele filho da puta tinha dinheiro. Todo o caminho adentro era iluminado e o jardim era impecavelmente cuidado, repleto de vegetações baixas e espaçadas entre si, provavelmente pra que ninguém pudesse se esconder tentando entrar ou sair clandestinamente. Aquela era a casa de uma pessoa milionária há muitos anos.

Quando o carro estacionou em frente à entrada principal, os homens desembarcaram e me aguardaram fazer o mesmo. Dessa vez, eu tomei a bolsa dos meus tios nas mãos e desembarquei em passos que fingiam firmeza. Todos eles adentraram a casa, sem dizer uma palavra, mas sempre com as armas em punho e dedos nos gatilhos, prontos pra qualquer imprevisto.

— Onde está o seu chefe? – Perguntei a um deles e eles continuaram caminhando em silêncio. – Ninguém vai me falar nada?

— Ele está chegando, docinho, não se preocupe. – A voz do líder me surpreendeu, sentado no sofá da sala de estar, com um copo de whisky na mão.

— Eu não tenho a noite toda.

— Relaxe, vai ser rápido, é só você colaborar.

— ...Onde está a Clara?

— Ah, isso eu posso providenciar agora mesmo.

O homem ergueu os dedos e os estalou alto, e em alguns segundos o som de passos vieram de uma sala lateral. Clara surgiu carregada por dois homens, e eu logo notei que várias manchas de sangue na camisa dela estavam frescas, e também no seu rosto, especificamente no supercílio. Os dois apenas se certificaram de que suas mãos estavam firmemente amarradas atrás das costas e a soltaram sobre o piso impecavelmente limpo, fazendo com que ela caísse de joelhos, escorregando pela falta de forças. Eu tive de me conter e sabia que deveria manter a postura de alguém quase neutro à situação, mas tive vontade de chorar pela crueldade que via a olhos nus.

Sob Minhas Condições (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora