Capítulo Três - Primeira Parte

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Capítulo Três (Willian)

A cidade para a qual Dante me mandou era ainda menor do que eu espe- rava. Segui à risca suas instruções e me instalei em uma pequena cabana vazia de caçadores nos limites da cidade para não chamar a atenção.
pelo cheiro, o local não recebia visitantes há muito tempo. Latas de con- dimentos e cerveja enferrujavam no chão sujo, decorando o ambiente de uma forma deprimente. A única janela estava fechada com tábuas de madeira pelo lado de fora, o que deixava o local abafado com um cheiro de umidade, madeira e fungo.
O que estou fazendo aqui no meio do nada?
Dante só podia estar brincando comigo por ter sido tão insuportável nes- sas últimas semanas.
Estava me sentindo extremamente frustrado, o tempo todo. E agora frus- trado e sozinho. Sem ninguém para conversar ou me distrair. Fiquei muito ten- tado a ir até a cidade encontrar algo para fazer. mas não queria contrariar Dante, e, de qualquer forma, sei que não adiantaria, pois não era lá, ou em qualquer outro lugar, onde encontraria o que eu queria para sanar minhas necessidades.
Todos os dias, conforme a noite chegava, a esperança crescia dentro de mim. A esperança de que seria uma dessas noites em que iria para a cama e so- nharia com ela. Quando isso não acontecia, passava o dia todo frustrado. Nesses momentos voltava a considerar que talvez isso fosse mesmo um castigo.
Não conseguia pensar direito, nem me alimentar. Já fazia dias desde a úl- tima refeição. Tudo o que eu via me fazia pensar nela. Ela parecia precisar tanto de mim em meus últimos sonhos. A sensação que emanava de sua pele era de total e absoluta desolação.
E, para completar, estava naquele fim de mundo para onde Dante havia me mandado. Era melhor ele ter realmente uma pista por esses lados, ou não responderia por mim ao encontrá-lo de novo.
mas ele estava certo em me querer longe. Não tirava sua razão. meu hu- mor incomodava até mesmo a mim. E não queria perder a cabeça com ele ou com qualquer um dos outros e depois me arrepender por isso. Foi melhor mes- mo ele me pedir para ir embora para não atrapalhar sua busca.
mas ficar ali sozinho sem ter o dom que ele tem não adiantaria de nada. Não fazia a menor ideia do que, ou de quem, procurar. Ainda mais estando longe da cidade. Sem entrar em contato com ninguém. Não iria simplesmente trope- çar no que ele queria que eu encontrasse.
por outro lado, era bom ficar esse tempo longe de tudo e de todos. Sem ter que encarar olhares tortos e nem ter que ficar dando explicações.
Só não queria ficar longe dela. Não por tanto tempo assim. Ainda mais sabendo que ela sofria. mas isso não é uma escolha minha. Será que era uma escolha dela? provavelmente não. Ela não poderia ter consciência de que eu, mesmo que involuntariamente, invadia descaradamente sua privacidade noite após noite através de meus sonhos e fingir não me ver. Se ela pelo menos pu- desse saber que eu estou lá. Dizer seu nome. Isso já faria toda a diferença do mundo para mim.
Já passei muito tempo pensando em qual seria seu nome. mas nenhum nome parecia se encaixar perfeitamente nela. pelo menos nenhum que eu tenha considerado.
Sorri sozinho com uma ideia que cheguei a considerar durante um de nossos sonhos. De que talvez, se eu conseguisse descobrir seu nome, ao chamá- -la, ela finalmente notaria minha presença. mas no fundo sabia que isso não aconteceria. pois tentei milhares de nomes e nunca nenhum funcionou. Se ao menos ela soubesse que estou lá, para mim já seria o suficiente. Não precisaria nem chegar a tocá-la. pois as sensações que emanam de seu corpo me fazem saber exatamente o que ela sente, sem que o toque seja necessário. Não sei a quem estou tentando enganar. Eu adoraria tocá-la. Sua pele deve ser lisa e mui- to quente.
Isso se ela realmente existir. Não. Descartei a ideia de imediato. Odiava pensar que ela só existia em meus sonhos.
precisava voltar a vê-la. Saber se estava bem. Ter certeza de que nossa liga- ção ainda existia. Ela se tornou meu vício. E, como todo viciado, precisava dela. precisava encontrá-la todas as noites, pois, do contrário, era como se estivesse passando por um tipo de abstinência.
A chuva finalmente parou de castigar o telhado já não tão conservado do casebre abandonado onde eu estava. chamar de cabana era um elogio ao meu pequeno refúgio. Estava mais para barraco no meio da mata. Uma boa parte do telhado estava com telhas faltando, o que fazia com que chovesse dentro também. Só tinha um cômodo. E os únicos móveis eram um armário caindo aos pedaços e uma cama com um colchão tão fino que era melhor deitar no próprio chão.
pelo menos não precisava me preocupar com pessoas por perto, pois com toda a chuva dos últimos dias, o acesso até o local era praticamente impossível para humanos. Qualquer carro ou pessoa que tentasse andar pelos arredores fi- caria atolado.
Senti o celular vibrar em meu bolso. pelo identificador de chamadas pude ver que era meu irmão, Edgar. Fiquei tentado a não atender e deixar cair na caixa postal. Ele provavelmente me interrogaria de como ia a busca e quando poderia se juntar ao grupo. Teria que explicar o porquê de não estar mais participando da caça, onde estava e por que não havia voltado, já que tinha obrigações com determinadas pessoas. mas logo desisti do impulso de não atender. Talvez ele estivesse precisando da minha ajuda. Afinal, já era sua terceira ligação.
- A que devo o prazer da ligação, irmãozinho? - atendi.
- corta essa, Willian. Onde você está? - Quis saber Edgar.
- Saudades?
- Dante me disse que mandou você atrás de uma pista - falou, não ligan-
do para o meu sarcasmo. - por que está em outra busca? - Ele achou melhor assim.
- E por que simplesmente não voltou?
- Ah, então realmente está com saudades.
- Tenho que admitir que as coisas estão bem monótonas aqui sem você, maninho.
- Acabaram as mulheres da cidade, Edgar? - Ele riu com gosto do outro lado da linha.
- Deixei algumas para você, maninho, caso queira parar de só sonhar com elas e realmente aproveitar a vida real.
minha irritação passou de zero a mil em menos de um segundo. Ele sabia que não deveria me provocar com esse assunto. Respirei fundo mais de uma vez para me acalmar.
- Onde você está, Willian? - falou, mudando de assunto rapidamente. Ele me conhecia bem.
- No meio do nada. perto de lugar nenhum. Quase chegando sabe lá Deus onde.
- parece um lugar maravilhoso - falou, rindo. - E vai ficar na sua busca solitária durante muito tempo?
- Não. Já fiquei aqui mais do que o necessário. vir aqui foi um desperdício do meu tempo. - Dante iria se ver comigo quando voltasse.
- Então já está voltando?
- Sim, devo chegar logo. Está precisando de alguma ajuda?
- por incrível que pareça, sei me virar muito bem sozinho, maninho -
disse, gabando-se.
- com mulheres eu tenho certeza que sim. mas e quanto aos negócios? - Está tudo sob controle, chefe. Não se preocupe. Não tem acontecido nada
de mais por aqui também - disse, sarcasticamente, rindo do outro lado da linha. - vejo você em breve, então.
- Tudo bem.
Desliguei já decidido a ir embora. Não tinha motivos para ficar ali. Talvez
tivesse sido mesmo somente uma brincadeira de mau gosto de Dante. Ter me mandado para aquele fim de mundo com o propósito de se vingar.
pensei em ligar para meu amigo, mas não daria a ele essa satisfação. A liga- ção só serviria para ele rir da minha cara por saber o quanto eu estava entediado naquele lugar.
Respirei fundo. Já era tempo de voltar.
Aposto como Edgar teve que me substituir em algumas funções e omitiu isso para não me preocupar. meu dom, por ser muito mais forte do que o de meu irmão, era mais requisitado. E como eu estava viajando já havia um certo tempo, ele provavelmente ficou sobrecarregado.
coloquei o celular no bolso e caminhei até a porta de madeira que estava quase caindo aos pedaços. Assim que abri a porta, fui atingido por um cheiro tão forte que me fez recuar alguns passos como se tivesse levado um soco.
Que cheiro é esse? Como pode ser tão bom?
O aroma era indescritível. parecia uma mistura de todas as coisas boas que existem no mundo. Não sei como era possível, mas era ainda melhor do que o cheiro de sangue. E nada é melhor do que o aroma de sangue para um vampiro. Nada. parecia um cheiro familiar, mas ao mesmo tempo eu tinha certeza de que nunca sentira algo tão bom assim.
mexeu tanto comigo que comecei a salivar. pude sentir meu veneno se espalhando e preenchendo cada centímetro de minha boca. Era enlouquecedor de tão bom. Sem pensar duas vezes, fui atrás decidido a encontrar a fonte. Fosse o que fosse, eu precisava daquilo.

Labirinto de Espelhos  (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora