Capítulo Dois - Primeira Parte

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Capítulo Dois (Eva)

Acho que o que sinto neste exato momento pode ser dividido em algumas fases. Já passara pela fase da incredulidade, da raiva, do remorso, da revolta, do arrependimento, por um pouco mais de remorso, e de volta à raiva.

Mas o que mais incomoda e dói, com toda certeza, é a saudade. Saudade do meu amigo. Meu melhor amigo.

Ainda não sou capaz de acreditar no e-mail que recebi de Noah. Um único e solitário e-mail, depois de uma eternidade sem notícias. Não sabia onde meu amigo estava e se estava bem, e agora isso.

Qualquer notícia, por melhor ou pior que fosse, ainda assim era melhor do que notícia nenhuma. E essa falta de informação me corroia por dentro há dias. Ele partiu sem dar explicações, sem me dizer tchau. Nada.

Não me lembro de uma única vez, desde que me entendo por gente, em que ficamos sem nos falar por mais de vinte e quatro horas. Nos comunicávamos nem que fosse por mensagens de celular. Nunca ficamos sem nos falar durante tanto tempo. E agora fazia semanas desde a última vez em que soubera dele.

E esse e-mail foi o golpe de misericórdia que faltava. Um único e-mail, muito claro e sem emoção alguma. Só isso. Nem um telefonema, nada.

Nesse e-mail havia apenas três linhas explicando que ele tinha se mudado para outra cidade. E que não voltaria. Pois ficar ao meu lado havia se tornado doloroso demais. E por isso ele preferiu simplesmente ir embora.

Li e reli a mensagem mais de cem vezes. Não era possível ser só isso. Procurei por outros significados em cada palavra dessas três míseras linhas, mas não encontrei nada.

Noah e eu nos conhecíamos desde criança. Éramos vizinhos. E nossas mães nos obrigavam a brincar juntos. No começo nos detestamos, mas acabamos nos conhecendo melhor e nos rendendo à insistência de nossas mães, nos tornando amigos inseparáveis. Nos falávamos todos os dias desde então. Crescemos e aprendemos tudo juntos. E para dizer adeus, um adeus que pode ser definitivo, apenas três linhas?

Pensar nisso doía. Minha garganta parecia pegar fogo, tamanho o nó que se instalou ali. Cogitar comer qualquer coisa era impossível, meu estômago revirava sem parar.

Mesmo depois de me conformar que não existia nada a mais naquelas poucas linhas idiotas, a ficha ainda não havia caído. Isso quando me encontrava na fase da incredulidade. Mas, aos poucos, fui entendendo que realmente era verdade. A fase da aceitação.

O celular dele só caía na caixa postal, as mensagens e os e-mails não eram respondidos e os pais dele não me falavam onde ele estava. Só respondiam que ele estava viajando, sempre viajando. Acho que estavam bravos comigo e me culpavam por ter feito que seu filho saísse da cidade.

Os pais de Noah eram separados. Estavam sempre trabalhando. Não tinham tempo para o único filho. Por isso, crescemos juntos e fomos criados praticamente como irmãos. Ele estava sempre na minha casa, onde recebia atenção e carinho da minha mãe, que, mesmo sendo muito ocupada por ser enfermeira, via o quanto ele era sozinho por estar sempre na companhia de empregadas e governantas.

A impressão que eu tinha agora era que ele estava há tanto tempo longe, que ainda parecia estar em viagem de férias e que poderia voltar à cidade a qualquer momento.

Hora da fase da realidade. Ele não voltaria.

E tudo por culpa minha. Eu o magoei muito. Se ao menos eu tivesse tentado. Nos dado uma chance. O pensamento disso fez meu estômago revirar ainda mais. Ele era como um irmão para mim. Como pôde pensar nisso? Como pôde estragar o que tínhamos?

E lá vem a fase da raiva de novo. Por que ele tinha que começar a sentir algo por mim? Ele poderia estar aqui agora. E tudo estaria como sempre. Estaríamos escutando música juntos, enquanto ele criticaria o meu gosto musical e eu reviraria meus olhos em desaprovação por ele só gostar de rock. Sorri com desgosto ao pensar nisso.

Labirinto de Espelhos  (Livro 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora