As próximas aulas passaram se arrastando. Mais algumas pessoas vieram me perguntar sobre Noah, mas, para minha sorte, nem precisei responder. As meninas respondiam por mim e, quando alguém insistia muito, elas falavam para cuidarem de suas próprias vidas. O que foi um alívio.
Até o final do dia a notícia de que Noah mudara de cidade já tinha se espalhado como vento. Então só tive que aguentar os olhares de dó e curiosidade enquanto estava indo de uma aula para outra.
Mais cedo do que eu queria, chegou a aula de educação física. Meu corpo doía como se estivesse com quarenta graus de febre. Até respirar muito fundo doía, por causa dos músculos do peito e da barriga. E olha que eu não sou fresca para dor.
– Já falei. Diga que está com cólica – Beka sugeriu.
– Cólica é muito manjado, diga dor de cabeça – Mona retrucou com ela.
– Dor de cabeça é pior, vão falar para ela tomar um remédio e voltar – Lisa falou.
Todas tentavam me ajudar a arrumar uma desculpa para a aula de educação física
– Tudo bem, eu já pensei no que vou falar – disse, pondo um fim nas ideias mirabolantes que cada uma tinha. – Encontro vocês depois meninas.
Não sabia ainda o que ia falar, mas se falasse que estava com dor de cabeça, não seria totalmente mentira pois começava a sentir uma dor atrás dos olhos como uma pontada. Deveria ser o resultado das horas maldormidas da noite passada.
Direcionei-me para a sala da professora assim que o sinal tocou. Bati na porta algumas vezes.
– Entre.
Entrei na sala e a encontrei arrumando várias pilhas de papéis que estavam em cima de sua mesa.
– Sente-se. Já falo com você.
Minha professora de educação física era a mesma desde que eu entrei no colégio. Ela era mais para cheinha e tinha os cabelos castanhos sempre presos em um coque alto com vários tic-tacs para que a franja não caísse em seus olhos.
– Requisições – falou, vendo que eu analisava aquela bagunça toda em sua mesa. – Todo ano é a mesma coisa. Cartas dos pais falando o que seus filhos podem e não podem fazer durante minhas aulas. Mas então, o que posso fazer por você, senhorita Lins? A saudade foi tanta que quis chegar mais cedo?
– Na verdade, vim pedir licença da aula hoje – falei, já esperando a bronca.
– No primeiro dia? E qual o motivo? – ela falou, cruzando os braços sobre o peito e se apoiando nas costas da cadeira. – Deixe-me adivinhar... cólicas? – falou, fazendo cara de deboche para mim.
E lá se foi minha desculpa da cólica. Sem saber o que falar, falei a primeira coisa que me veio à cabeça.
– Dor de cabeça.
– Dor de cabeça! – ela repetiu. – Minha segunda desculpa preferida.
Ela me estudou um pouco e falou:
– Eva, eu sei que está passando por um momento ruim em sua vida, com o seu amigo e tudo. Mas espero que isso não seja um motivo para que você se afaste da escola e de seus amigos. Tudo cura com o tempo.
Poderia ser verdade? Minha professora de educação física estava me consolando sobre um assunto da minha vida pessoal, que eu nem imaginava que ela poderia saber? Senti meu rosto pegar fogo. Cidade pequena é mesmo uma droga.
Ela continuou esperando uma resposta.
– Não é por causa disso – finalmente falei. – Estou realmente com muita dor de cabeça e dor no corpo também. Ontem caí na... – Achei melhor não falar da floresta ou ela poderia querer ligar para minha mãe e comentar sobre meus "passeios". – caí na rua de casa, e estou com o corpo todo doído.
Ela continuou me olhando com cara de quem não acreditava em uma palavra.
Respirei fundo e fiquei de pé. Achei melhor provar que pelo menos a parte de ter caído era verdade. Puxei a gola em v da blusa para o lado mostrando um hematoma que ia da clavícula até a parte de trás do ombro.
– Nossa – exclamou, arregalando os olhos e agora mudando totalmente a expressão de desconfiada para preocupada. – Você foi ver isso? Não tem nenhuma fratura?
– Já sim. Está tudo bem. Só a dor mesmo.
– Bem, então nesse caso vou dispensá-la – falou, procurando por um papel. – Vou mandá-la para a enfermaria para que faça uma compressa no local.
– Não precisa, eu faço em casa – falei, já me virando para sair.
– Eva, eu posso dispensá-la da aula, mas sabe que tem que ficar na escola até a última aula. A não ser que queira que eu ligue para sua mãe. Se ela falar que posso dispensar, aí sim você pode ir para casa.
– Não precisa – falei rápido demais – Tudo bem, eu vou para a enfermaria, melhor não incomodá-la no trabalho. – Ela ficaria preocupada com certeza. E hoje era seu plantão.
– Melhor – falou a professora, rabiscando em um pedaço de papel para a enfermeira.
Saí da sala decepcionada, não teria que fazer a aula, mas teria que ficar em observação.
A enfermaria ficava no segundo andar. Mas quando pensei em ficar mais de uma hora fazendo compressa e sendo apalpada pela enfermeira, parei no meio do primeiro andar. E se ela ligasse para minha mãe? E se quando visse o primeiro hematoma quisesse ver se tinha mais? Seria uma boa ideia ir até a enfermaria? Cheguei à conclusão de que a resposta era não.
Desci de volta as escadas para o primeiro andar e comecei a pensar onde poderia passar uma hora sem que ninguém me incomodasse. E lembrei da sala onde eram guardados os equipamentos da aula de educação física.
A primeira aula de educação física era sempre igual, todos os anos. A professora nos pesava, media e nos cutucava com aquele aparelhinho de medir gordura, que sempre nos falava que tínhamos mais gordura no corpo do que deveríamos ter.
Se fosse assim, Lisa deveria ser um palito humano. Ela já era magra e sempre lutava para conseguir manter o peso. Todos os anos era a mesma coisa, na primeira aula de educação física lá vinha a professora com aquele aparelhinho e Lisa já começava a suar em bicas.
E mesmo dentro de seu peso ideal o aparelhinho sempre contrariava a todos falando que ela tinha o índice de gordura acima do desejado. Isso a deixava muito brava. Mas todo ano era assim. Já estávamos acostumadas.
Depois disso a professora queria ver como estava nosso condicionamento físico. E nos mandava correr. Então não precisariam de nenhum equipamento de ginástica no primeiro dia.
Chegando à sala, vi que a porta estava fechada e a esperança de ficar lá já começou a murchar. A porta deveria estar trancada. Para minha sorte, assim que virei a maçaneta, ouvi o click e a porta se abriu.
A sala era pouco iluminada e tinha janelas pequenas perto do teto. Lá dentro tinha de tudo. Bolas de todos os esportes, steps de todos os tamanhos, vários uniformes, cordas, bastões, pesinhos de perna e de braço, e o que eu estava procurando e torcendo para estar no mesmo lugar de sempre, os colchonetes das aulas de exercícios localizados.
Ali estavam eles, todos azuis formando uma pilha que ia do chão até dois palmos acima da minha cabeça.
Sempre que tinha aula de exercício localizado a professora nos pedia para ir pegar os colchonetes, por isso sabia que estariam ali.
Estiquei-me e peguei quatro deles de cima do monte e os levei para um canto atrás do armário onde estavam as bolas de basquete. Nesse lugar, mesmo que alguém entrasse na sala, não me veria logo de cara e eu teria tempo de levantar e sair dali sem ser pega de surpresa.
Coloquei três dos colchonetes no chão e usei o quarto dobrado para apoiar a cabeça. Por sorte, havia pego o celular na penúltima aula e poderia ouvir música enquanto passada o tempo.
Coloquei os fones de ouvido e me deitei com a cabeça no colchonete dobrado. Até que ficou bem confortável. A primeira música era da banda Evanescence. O tempo passaria rápido.
Comecei a pensar no que aconteceu no almoço. Naqueles olhos verdes lindos e em como a cor de seu cabelo combinava com eles. A música chegou ao fim e mudou para uma melodia um pouco mais lenta e melancólica. Fechei os olhos para relembrar de como seus lábios ficaram lindos quando ele sorriu para mim, tão perfeitos... E depois... Dormi...
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Labirinto de Espelhos (Livro 1)
RomanceSinopse Quando a estudante Eva Lins conhece o misterioso e sedutor Willian não imagina quais segredos ele podia esconder por trás de tanta beleza. Que ele é perigoso, ela pôde ver em seus olhos desde a primeira vez que se encontram, porém, a vontad...