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Maya Moretti

O Dylan deixou-me na Sala Escura, que a propósito é escura, não se vê nada. E trancou a porta. Não há com o que me preocupar, tenho que manter a calma. Suponho que isto seja uma espécie de teste. Mas o que é que hei de fazer? A sala é escura e silenciosa, não há nada que possa fazer. Sentei-me e esperei, esperei, acho que já passou uma hora. Levanto-me, já a ficar impaciente, e fecho os olhos, tentando concentrar-me. Pensa Maya, não te colocariam numa sala sem motivo. Tem que haver algo, o que é que me está a escapar?

É tudo tão confuso, os meus pais, o Dylan, a D. Madalena, a Mya, este sítio. Estarei a ser imprudente, a agir sem pensar? Tudo isto não passa de uma loucura, e o mais surpreendente, é que estou a gostar e a alinhar. Será verdade, como é que sei que não me estão a enganar? Quer dizer, é madrugada e estou numa sala escura, sozinha. Noutras circunstâncias isto seria considerado um sequestro. E se os meus tios acordarem e perceberem que não estou em casa? E se eu morrer? Mãe, o que é que tu farias? Sempre tiveste a coragem de ir em frente e arriscar, não importa a situação, nem o obstáculo. E tu pai? Sempre metódico e analítico, tinhas as melhores ideias e conseguias arranjar maneira de permanecer calmo. Porque é que me deixaram? Tenho saudades vossas. Fechei o punho assim que uma lágrima escorreu. Não, não vou chorar, nem me lamuriar. Tenho que arranjar uma forma de sair daqui e depressa. Era isso que eles fariam.

Levantei as mãos e caminhei para a frente, indo de encontro a uma parede. Tem que haver um interruptor algures por aqui. Corri as paredes à procura, nada, nenhum interruptor. Ok, mas eu preciso de ver. Tem que haver algo por aqui que ilumine a sala. Tropecei numa viga solta e caí no chão. O meu tornozelo começou a doer, provavelmente pelo impacto da queda. Abaixei-me e apanhei um objeto que estava perto da viga. Parece retangular, talvez uma caixa pequena, não, são fósforos. Certo, tenho uma caixa de fósforos, mas tenho que pensar. Não os posso usar todos, tenho que manter a chama acesa. Continuei a andar, na esperança de encontrar mais alguma coisa. Senti uma garrafa debaixo do meu pé. Abri-a e cheira-a, álcool. ÁLCOOL, é isso! Despi o meu casaco e tirei a minha camisola. O chão era de madeira, então arranquei a viga em que tropecei e parti ao meio, de modo a encurtar a tábua. Depois embrulhei a minha camisola à tábua e encharquei-a de álcool. Afastei-me e acendi um fósforo, atirando-o. Uma onda de luz e calor invadiu-me. Usei o casaco como pega e dirigi-me para a porta. Fechada, claro que está fechada, não a iam deixar aberta. Olhei para o buraco no chão, feito quando arranquei a viga e deparei-me com um túnel. Saltei e o tornozelo começou a doer mais ainda, toquei nele e vi como estava inchado. Não interessa, não vou parar, nunca o fiz e não é agora que o vou fazer. Peguei na minha tocha improvisada e corri pelo túnel, tentando encontrar uma saída. Uma missão impossível, isto parece um labirinto. Aposto que Dédalo ficaria com inveja. Paro a meio da minha tentativa, quando sinto uma dor lancinante no tornozelo. Sento-me no chão, tentando desesperadamente que a dor pare. Levantei as calças e massajei a área e vi que estava, no mínimo, torcido. Suspirei, percebendo que isto ia afetar a minha eficiência. Olho para cima, à procura de respostas, como se o teto de madeira me fosse fornecer alguma. Não é como fosse o fim do mundo, mas sinto-me perdida e já não sei mais nada. Apenas que ter ido para a escola foi um erro, estava melhor em casa. Sem ter que conviver com adolescentes, com professores chatos, sem ter que procurar salas, sem ter que percorrer corredores longos,... Casa, tive tantas que já não sei onde pertenço. Estou a ser fraca, o que diriam os meus pais se me vissem assim? A minha mãe costuma dizer que a fraqueza não é mais, que o medo a apoderar-se de nós. E que o segredo da queda, é aprender com ela.

Aprender com ela. Levantei-me a custo e ordenei ao meu corpo que se mexesse, ficar parada não é uma opção. Não vou sucumbir, não o posso fazer. Sê forte Maya, sê como eles eram, orgulha-os, faz com que a ida deles não tenha sido em vão, faz com que a tua existência tenha um propósito, faz jus ao teu sobrenome, faz com que cada lágrima derramada se torne em força, faz com que saibam que és capaz, faz de ti uma guerreira e luta, luta até ao fim.

- O maior campo de batalha, é aquele que nos faz duvidar de nós mesmos- sussurro, repetindo a frase que o meu pai dizia.

Continuei a andar, analisando à minha volta e tentando ver se havia alguma probabilidade de uma saída aparecer misteriosamente. Virei a uma esquina e no lugar do chão, uma enorme piscina de escorpiões impedia a passagem. Olhei para trás e vi que o caminho estava bloqueado. Certo, um percurso de obstáculos. Escorpiões, escorpiões. O que é que eu sei sobre eles?

"- Maya, sabias que os escorpiões não resistem ao fogo?

-Sim pai, por isso é que é um signo da água.

- Sciocca (tontinha), segundo os antigos o escorpião é incapaz de regular a sua temperatura. Ele fica desidratado perto do fogo e tem convulsões, arqueando-se até à morte.

- Grazie insegnante (obrigada professor), mas porque é que me estás a dizer isso?

- O conhecimento não ocupa espaço, além disso pode dar-te jeito um dia. Agora acaba de pôr a mesa... "

Pode dar-te jeito um dia. Claro, tu sabias pai que caso tudo corresse mal, eu viria aqui ter, duma maneira ou doutra. Obrigada pela tua ajuda e por olhares por mim, mesmo daí de cima.

Olho para a viga e tiro o casaco, que até agora servia como pega, e visto-o. Atiro a viga para o meio da piscina e observo o fogo a alastrar-se e os escorpiões a arderem.

A arderem como o último resquício de força que ainda tinha.


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