Prólogo

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Maya Moretti

Nunca pensamos muito no dia em que a nossa vida muda. Nunca prestamos atenção suficiente ao que o destino nos reserva, até que um dia somos forçados a tal. Até que um dia somos brutalmente arrancados da nossa esfera e depois disso, nada. Uma parte de nós morre, lenta e crucialmente. Cada um tem a sorte que tem.

-Maya, anda para baixo. Despacha-te e traz um casaco, está a trovejar!- foi assim que começou o dia em que a minha vida mudou, de forma bastante normal. Antes de descer as escadas, vejo de relance a minha mãe a abrir uma gaveta e tirar de lá uma arma. Senti a nuca a arrepiar mas decidi ignorar e entrar no carro, pelo bem da minha saúde.

-Estão prontas?- o meu pai pergunta, com um ligeiro tremor de voz, antes de ligar a ignição. Encosto-me ao banco e fecho os olhos, tentando abafar o trovejar e a sensação estranha que se instalou no meu estômago. Estava a fazer um bom trabalho, quando um chiar de travões me despertou e me fez morder a língua para não praguejar.

-Estamos a ser perseguidos, Gisele! Eu disse-te que não estávamos seguros aqui.- endireito-me e olho pelo retrovisor, certa de que há algum engano. Merda, não há engano nenhum.

-Corta para a Via degli Alfani, agora!- ao dizer isto, a minha mãe tira a arma que guardou mais cedo. Olho para trás e vejo que o carro se afastou, dado que a rua onde entrámos é das mais movimentadas de Florença.

- O que é que está a acontecer?- pergunto, em vão, nenhum dos meus pais me responde. O carro voltou-nos a perseguir e a minha mãe está com a cabeça fora da janela a disparar. Aos gritos para me baixar, o meu pai acelera e atira-me uma chave. Com as mãos a tremer, apanho e guardo-a no bolso do casaco.

-Maya, tens que saltar do carro. Essa chave é a do nosso cofre, tens lá dinheiro, uma mochila e uma passagem para New Orleans. Não voltes atrás.- desesperada, agarro o braço do meu pai e abano a cabeça em negação.

- Nós amamos-te, não te esqueças- a minha mãe vocifera, antes de abrir a minha porta e me atirar. Bato com a cabeça no chão e sinto sangue a escorrer da testa. Sem perder tempo rastejo para trás de umas árvores. Levo a mão ao peito e tento controlar-me, fecho os olhos e faço uma prece rápida a Santa Maria del Fiore.

Ganho coragem e espreito, desejando mais tarde não o ter feito. O carro que nos perseguia, preto com uma fita vermelha, bate na traseira do nosso. O meu pai desvia o carro mas já era tarde demais. Os vidros já se tinham estilhaçado, os corpos deles caído e o trânsito parado. Levanto-me e corro, com a visão turva e os passos vacilantes. O sangue não parava de escorrer e as pessoas de gritar, mas eu continuei. Sem nunca olhar, sem parar e por muito que quisesse, sem voltar atrás. Cada um tem a sorte que tem.

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