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Maya Moretti

-Dou por encerrada a reunião, podem voltar ao trabalho- anuncia a D.Madalena e ao ver-me levantar, parou-me com a mão- Tu não, temos que conversar.

-Hey, Fénix! Estou à espera lá fora- diz o Dylan e sai da sala.

-Eu também "maninha", temos muito que conversar- o meu corpo trava e olho para ele séria, mas não posso fugir. Temos que conversar.

-Presumo que estejas surpresa, querida. Anda cá...- a D.Madalena chama e abraço-a, sentindo o calor dos seus braços. Um suspiro de alívio escapa-me e então sento-me.

-Bem, não estava à espera. Porque é que ele voltou? Depois de tanto tempo, é que ele decide aparecer e entrar na minha vida desta maneira?

-Ele veio à tua procura.

-O quê? Só agora é que se lembrou de que tem uma irmã?

-Não sei, mas garanto-te de que vou andar de olho nele. Prometi aos teus pais que ia cuidar dos dois, aconteça o que acontecer.

-E deixou-o entrar assim na ADE?

-O teu irmão já conhecia a ADE. Ele fazia parte deste mundo até ao acidente dos teus pais, depois desapareceu.

-Porque é que eu sou a única que não sabia de nada? O Thomas saiu de casa quando eu tinha 8 e nunca mais voltou, era por aqui que ele andava?

-Os teus pais escolheram manter tudo em segredo, acreditavam que te protegiam. Eu não sei o que é que eles sabiam, andava em treinamento na altura. Maya, não sou eu que te posso dar as respostas.

-O que é que eu faço?

-Fala com ele e procura respostas, tenta descobrir mais sobre o teu passado. Querida, promete-me que vais ter cuidado e que não te vais meter em sarilhos. Os WALA não dormem.

-Eu prometo, obrigada D.Madalena- sorrio antes de sair da sala.

-Vamos? Ouvi dizer que hoje a praia está livre- diz-me o Dylan e gargalho, bem jogado D.

-Lamento interromper os vossos planos, mas vou levar a Maya emprestada. Ainda gostas de gelado, certo?

-Sim, quem é que não gosta de gelado? Dylan, a praia parece-me uma ótima ideia mas tenho que falar com o Thomas.

-E assim de repente, vais com ele? Isso é uma tamanha estupidez...

- É um risco que tem que ser tomado. Eu mando-te mensagem, não te preocupes.

-Sim, não te preocupes. Eu tomo conta da tua "fénix", é a minha "maninha" afinal de contas.

-É bom que tomes- o Dylan ameaça e estende a mão, numa espécie de despedida e olha-o nos olhos, com uma promessa perigosa neles. A mim abraça-me e dá-me uma pequena navalha, reviro os olhos com o gesto mas mesmo assim guardo-a, por prevenção. Só por prevenção.

****

Quando o Thomas estaciona, saio do carro e vou em direção à gelataria. Estou um pouco nervosa, já lá vão dez anos. Peço um gelado de menta e ele pede um milkshake de morango, ficamos num silêncio desconfortável até decidir tomar a palavra.

-Okay. O que queres?

-Como?- pergunta friamente, já me tinha esquecido desse traço dele.

-Porquê agora? O que queres? Porque me vieste procurar?- ele foca-se nos meus olhos e ondas magnéticas parecem emanar dos dele. Nós não temos nada a ver um com o outro, tanto fisicamente como psicologicamente. A única semelhança é o tom do cabelo e o sorriso, mas ele raramente sorri, então não faz diferença.

-Tive saudades de casa, tu sabes. E devo acrescentar que já estás bem grandinha.

-Já se passaram dez anos Thomas, estás ciente disso? Tu cagaste para nós, para mim, estes anos todos e agora vens-me com teres saudades de casa- ele ia interromper mas mandei-o calar- Ainda não acabei. Onde é que estavas? Agora apareces e fazes de irmão mais velho, esse papel não te pertence. Abandonaste-me quando era criança, tens noção que durante um ano dormi à porta de casa, à tua espera? Abandonaste-me quando os pais morreram e mais uma vez esperei que voltasses, mas nada. Não te vou deixar entrar na minha vida, tu vais-te sempre embora. Os pais amavam-te e tu não te dignaste a aparecer, nem por mim. Eu só queria o conforto de alguém, eu queria o meu irmão mais velho, mas onde é que ele estava? Eu fiquei destroçada, chorava compulsivamente e cheguei a cortar-me para aliviar a dor. Houve um dia em que pensei suicidar-me e só não o fiz porque me impediram, tive transtornos alimentares e estava completamente perdida. Onde é que estavas? Diz-me, Thomas. Onde caralho é que tu estavas?- as lágrimas começaram a escorrer involuntariamente e amaldiçoo-me por isso, não gosto de chorar à frente dos outros.

-Primeiro, acalma-te. Segundo, não foste a única que sofreu. Terceiro, quero redimir-me. Sei que nunca te devia ter deixado e que cometi alguns erros, mas sou humano. Estou aqui para esclarecer tudo Maya, lamento imenso.

-Aposto que lamentas. - levanto-me da mesa e saio da gelataria, completamente transtornada. Céus, como é que isto acabou por acontecer? Para melhorar tudo, começa a chover torrencialmente. Era tudo o que precisava, obrigada. Começo a andar quando ouço uma buzina, impaciente olho para trás e vejo que são uns putos. Ser assediada estava mesmo nos meus planos. Até que vejo o carro do Thomas e ele acena para entrar, sem grande opção de escolha entro.

-Maya- ele chama mas ignoro. Por ironia ou não "Stay" da Rihanna começa a tocar e reviro os olhos, com mil diabos!

"Ooh, the reason I hold on
Ooh, 'cause I need this hole gone
Well, funny you're the broken one
But I'm the only one who needed saving
'Cause when you never see the light
It's hard to know which one of us is caving
Not really sure how to feel about it
Something in the way you move
Makes me feel like I can't live without you
It takes me all the way
I want you to stay
Stay
I want you to stay"

Já percebi Universo, já percebi! Vejo "Otelo" de Shakespeare e sorrio, com que então ele continua a ler.

-Há coisas que nunca mudam- comento e ele parece confuso. Aponto para o livro e ele acena- Nunca deixaste de ler Shakespeare, não é?

-Ainda te lembras? Achava que te tinhas esquecido...

-Infelizmente, a minha memória é muito boa. E os pais guardaram todos os teus livros, ainda tentei ler mas Shakespeare não faz muito o meu estilo. Eu lembro-me de pouco Thomas, eu cresci com as tuas memórias- dito isto calo-me e dito-lhe o caminho até casa.

-"Love thrives not in the heart that shadows dreadeth"- declara ele passado uns tempos e contenho a vontade de rir.

-Vindo de ti, isso é hipócrita. Às vezes pergunto-me se já amaste, se o teu coração pertence a alguém.

-Eu não sou um monstro. O meu coração pertence a alguém, pertence tanto que me levou à loucura. É ela quem eu amo.

-Quem?

-A Belle.

Spy GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora