14

37 7 73
                                    

Maya Moretti

Depois do almoço, que devo dizer, foi uma maravilha e um caos, vou até à ADE. Sei que o Dylan ficou magoado por não querer que ele almoçasse, mas não era a questão de querer. Só tenho andado muito confusa em relação ao que sinto e vê-lo na minha cozinha, a comer com a minha família, não me iria ajudar em nada. Mas a conversa que tive com a Tia Anne fez-me pensar que talvez não fosse assim tão mau e que eu podia ver como é que o almoço corria, para ser fiel ao que sinto. Nunca falámos muito sobre o Dylan mas de alguma maneira ela sabe sempre o que se passa entre nós, talvez até melhor que eu. Ela e a minha mãe são iguaizinhas, só que uma ainda está viva e a outra não.

Abro a porta e cumprimento a porteira, dirijo-me aos elevadores e então diretamente à sala da D.Madalena, por ordens da mesma, já que se trata de um assunto extremamente confidencial. Imagino que se trate da Missão Nighy, bem que o Dylan me avisou hoje de manhã. Bato à porta e ouço um "Entre", faço o que me foi pedido.

-Como foi o almoço? Correu tudo bem?- pergunta-me e leva um copo de tinto aos lábios, estaco a meio do caminho e franzo a testa. Como é que ela sabe? Mas que raios?! Sento-me e sem deixar transparecer nada, questiono com toda a delicadeza e calma que possuo:

-Como?

-Estava a perguntar-lhe se quer conhecer o moço, o Príncipe. E se estava bem.- ela sorri e analisa-me, solto um suspiro baixinho e relaxo.

-Ah sim, faça o favor- Mon Dieu! Estou a ficar louca, está comprovado. Maya, foca-te. É a tua primeira missão, não lixes isto tudo. Olha o que já conquistaste no espaço de 3 meses, tens uma oportunidade incrível à tua frente. "Tu és grande Maya, está no teu sangue, no teu nome, em ti" ouço a voz da minha mãe e sorrio, com a recordação daquelas palavras. A minha mãe não é, era, de dizer frases encorajadoras, isso era mais o meu pai. Ela preferia agir, mas quando ela falava, era com a alma e é o tipo de coisa que nos marca. Eu sou grande.

-Receio que o Dylan te tenha contado o objetivo da missão, ele tem uma boca grande e gosta de ti. Mas queria dar-te a conhecer outros detalhes- ela vira-se e remexe nos armários, retira de lá um dossier e entrega-mo- Este é o ficheiro do Príncipe Matthew, podes dar-lhe uma vista de olhos.

-Certo. Ora Matthew Alexander Windsor Laurent Nighy, não havia mais nomes para lhe dar?- ouço a D.Madalena rir-se e procedo com a informação- 21 anos. Oh, é só um ano mais velho que a Mya! Já que ela também vai, não seria melhor ser ela a seduzir ou sei lá o Príncipe? Penso que sou muito nova e depois também há o Dy...- deixo a frase suspensa e só então tenho noção do que disse. Outra vez Maya! Foco, isto é o teu trabalho. Engatar pessoas e fazer sabe-se lá o quê vem no pacote, independentemente dos laços que tenha por fora. A D.Madalena sorri e pega na minha mão.

-São histórias do passado, mas a Mya não gosta de se envolver com ninguém, especialmente se for rico. Talvez ela te conte um dia...Embora seja excecional nas missões, ela nunca aceitou uma missão em que se tenha que envolver com alguém rico. Não esperas que o faça agora, só vai porque tu e ela são as melhores agentes femininas que tenho- fico corada com o elogio e ia abrir a boca para falar, mas voltei a fecha-la porque a D.Madalena continuou a falar- Sei que és capaz , vejo em ti a força e coragem da tua mãe e a calma e inteligência do teu pai. Fogo e água, suponho que sejas o ar que resultou deles os dois. E sabes? O ar está lá em cima, à nossa volta, em todo o lado, não se deixa apanhar. É livre, é grande, é imparável e capaz de grandes estragos, é isso que és. Os teus pai estariam muito orgulhosos de ti, tenho a certeza. Eu estou Maya, mesmo muito, não me desiludas- pisca-me o olho e faz-me um sinal para prosseguir com a informação da missão. Sinto uma lágrima a escorrer-me e rapidamente a limpo, aclaro a garganta e continuo.

****

Estou a fechar a mala quando alguém bate à porta, murmuro uma permissão e logo vejo as cabeças dos meus gémeos favoritos. Cazzo! (Merda!) Os meus tios não desconfiam de nada, mas desde o dia em que fiz a prova que os meus primos andam desconfiados e sinto que não estamos a ser sinceros uns com os outros. Eles também me andam a esconder algo, os nossos votos de confiança foram quebrados, mas é melhor assim.

-Onde é que vais Maya? Vais a trabalho? Ou então vais...- começa a Elena e sei que o David a vai completar a seguir, eles têm uma precisão de acertarem na fala um do outro.

-com o Dylan? Têm andado muito juntos ultimamente- acentua o David, tal como esperava.

-Vou a trabalho e isso não vos diz respeito. Ouçam...- vou ao encontro deles e abraço-os- adoro-vos mas já sou adulta e sei o que estou a fazer. Não têm o direito de julgar, muito menos questionar o que faço. Eu respeito o vosso espaço, só peço o mesmo. Percebido?- olham para mim em choque e depois acenam com a cabeça, nunca fui assim com eles e nem queria ter sido. Mas é melhor assim quanto mais os afastar, quanto menos souberem mais protegidos ficam. Nunca me perdoaria se algo lhes acontecesse porque fui descuidada.

-Desculpa, nós só...- o David diz cabisbaixo e sinto um aperto no peito. É melhor assim, repito.

- estamos preocupados contigo- finaliza a Elena e depois saem do quarto. Assim que saem encosto a cabeça à parede e choro. Choro por não saber o que sinto em relação ao Dylan, choro pela morte dos meus pais, choro por ter que mentir aos meus tios, choro por ter que ser fria com os meus primos, choro pelas palavras da D.Madalena, choro por estar a chorar, eu choro e choro, até que não restam mais lágrimas e o telemóvel vibra com uma nova mensagem.

Mya: Vê se te despachas, temos que passar ainda na ADE. Estacionei o carro naquele café perto da tua casa.

Visto o casaco, ponho uns óculos de sol e pego na mala. Olho em volta, sem saber quando voltarei a dormir naquela cama, a comer naquela cozinha e depois reparo num espelho que está no hall. Dirijo-me a ele e olho para o reflexo, a única coisa que vejo é uma mulher. Uma mulher morena de 1,70 m prestes a estrear-se na sua carreira, prestes a dar mais um passo na sua vida e prestes a iniciar um novo capítulo. Então, volto a olhar mais para essa mulher e vejo o coração e o cérebro dela transbordados de preocupações e medos. Mas reparo em algo mais na força e coragem do coração dela e na calma e inteligência do cérebro dela. E de repente ela divide-se em três pessoas, duas pessoas que a amavam e que contavam com ela e uma pessoa que lhe pediu para que ela não a desiludisse. Algo brilha naquela imagem das pessoas, algo tão grande que me obriga a fechar os olhos... Ergo então a cabeça e volto a ver a mulher.

Aquela mulher sou eu.

Caminho pela rua e quando dobro a esquina vejo o carro vermelho da Mya. Ela buzina impaciente e sorrio a pensar que vai ser uma missão interessante. Abro a porta e entro.

-Então, estás pronta?- pergunta e coloca também os óculos de sol dela.

-Mais pronta era impossível- afirmo, eu sou grande. Ela roda a chave e põe o motor a trabalhar.

E depois acelera, tão rápido quanto o sangue que me corre nas veias.

Spy GirlOnde histórias criam vida. Descubra agora