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Matthew Nighy

-Boa noite, minhas senhoras. Estão ligeiramente atrasadas ou sou eu que ando muito adiantado?- pergunto com o intuito de suavizar o clima que rapidamente se instaurou.

-Um pouco de ambos, receio eu- responde a Condessa Eduarda, revelando um belo sorriso e ganhando brilho nos seus olhos. Parece genuinamente feliz, em contraste com a Duquesa Sara parada ao seu lado.

-De onde são?- questiona Emma, curiosa e astuta, ao conhecer as damas que causaram um grande impacto no Baile.

-Isso não lhe diz res...- a Duquesa Sara ia retorquir quando Eduarda se apressou a interromper:

-Fazemos parte do Estado Francês, mas estamos aqui porque somos descendentes de famílias nobres.

-Como está o velho e bom Macron?- bem me pareceu ouvir francês quando conheci a Eduarda pela primeira vez, então faz sentido elas serem francesas.

-O Emmanuel está bem, se isso o fizer mais feliz, Majestade- diz a Duquesa Sara e depois vira costas , algo que faz muitas vezes, olha para trás e depois vai para a varanda.

-Eu...Realmente não sei o que dizer- comenta Eduarda, a olhar atónita para o nada.

-Não precisa de dizer nada. Quer ir tomar alguma coisa?- pergunta Emma , casualmente, sorrindo para a sua recém amiga.

-Com toda a certeza. Estás bem?- inquere a Eduarda, enquanto passa por mim para ir com Emma.

-Sim, apenas...- abano a cabeça, incapaz de raciocinar- Vou lá fora, se me der licença.

Não sei o que raio me motivou a vir ter com a Duquesa, mas algo me motivou. Isso preocupa-me levemente, estar tão inquieto com a sua presença ou com a falta dela... Nunca ninguém se dirigiu a mim como ela, nem nunca ninguém me afrontou daquela maneira. Quando passo pelas portadas, vejo-a num canto da varanda a fumar.

-Está a ver se a morte a apanha mais cedo?- digo, assustando-a com a minha entrada repentina.

-Está a ver se mete o nariz na vida dos outros?- rebate frustrada, o que me faz abrir um ligeiro sorriso.

-Não, de todo. Apenas considero bizarro, uma dama como a senhora estar cá fora sozinha em vez de estar no centro das atenções. Parece-me que gosta de se destacar, Cleópatra - sussuro com malícia, descendo os olhos pelo seu corpo e o seu traje, ambos deveras adequados.

-Parece-me que gosta bastante de arbitrar sobre tudo e todos ou estarei eu enganada?- interroga ela, erguendo a sobrancelha. Ia responder quando música começa a tocar, fazendo-me lembrar do que se ia suceder.

-Lamento imenso ter que a dispensar desta amistosa conversa, mas receio que tenhamos que entrar. Está na hora da Grande Dança- informo, fazendo sinal com a mão para o Salão.

Olha para mim e depois segue caminho, ao menos não rebateu e entrou sossegada. Ajeito o meu smoking e sinto os nervos por todo o meu corpo, está na hora. Entro no Salão, vendo a minha "mãe" no centro do mesmo, deve estar a começar o seu discurso.

- Saudações, está na hora da Grande Dança. A Grande Dança consiste na dança do Príncipe com uma de vós, que será escolhida por ele- depois de aquelas palavras serem proferidas fez-se silêncio, sepulcral e tumular. E então todos os presentes na sala se viraram para mim, senti a garganta seca e as mãos suadas. No entanto, continuei a andar de encontro à minha mãe com uma expressão de indiferença. Olhei para as convidadas a pensar em quem haveria de escolher, reparei em Emma, Sara e Eduarda a um canto e caminhei até lá, lentamente.

-Vai Eduarda, ele está à tua espera- comentou Sara, certa de que eu ia escolher a amiga. Contudo, surpreendendo todos e até eu mesmo, vi-me a estender a mão para a Duquesa Sara. Relutantemente, ela aceitou e olhou para Eduarda quando esta a empurrou levemente.

Os músicos começam a tocar e "Feeling Good" ,numa versão orquestrada, invade o Salão. Dirijo-me com a minha acompanhante para o centro da pista de dança e começo a movimentar-me ao som da música, sentindo o ritmo e os nervos a reverberarem dentro do meu corpo. Tenho que me baixar para a conseguir olhar, pois ela é muito baixa. E assim que o faço vejo duas esferas pretas cravadas em mim e sorrio-lhe. Esquecendo a maneira formal de como a dança deve ser feita, deixo as minhas mãos escorregarem pelo corpo dela até assentarem no seu quadril, encostando a minha face ao seu pescoço e posso jurar que vi cicatrizes, o que só a deixou mais atraente. Dou por mim a desejar que a dança não acabe e amaldiçoo-me por isso, era suposto eu não gostar dela.

-Não sabia que a dama sabia dançar- digo tentando provocar alguma reação nela, que até agora se manteve calada e inexpressiva.

-E eu não sabia que se conseguia manter calado por mais de 5 minutos- respondeu a Duquesa Sara e depois calcou-me o pé- Estou a odiar cada segundo desta estúpida dança, bem como o odeio a si.

-Não foi o que me pareceu, quando...- fui interrompido por sons de gritos vindos de todas as direções. As convidadas começaram a fugir, os músicos pararam de tocar e os guardas andavam para a frente e para trás. Vidros partiam-se e começaram a descer pessoas do teto armadas, a Grande Dança tornou-se um caos. A Duquesa Sara pôs-me atrás dela, assumindo uma posição de ataque e tirando as presilhas do cabelo, que cai nos ombros. Afinal, as presilhas eram duas navalhas que ela está a usar como arma.

-Mya!- ouço a Eduarda gritar e fico perdido, quem raio é a Mya?

-Maya, nem te atrevas a vir- e agora Maya? Estou completamente desorientado.

-Mas, não consegues dar conta de todos sozinhos- diz Eduarda.

-Maya, cala-te e chama reforços. Mas protege-te, não venhas para aqui- mantenho-me atrás da Duquesa Sara ou Mya, ou sei lá, para evitar ir para a confusão. Vejo a Eduarda correr e depois desaparecer na balbúrdia, enquanto a dama à minha frente se prepara para atacar os homens que vêm na nossa direção e tudo o que sei fazer é olhar.

Estava tudo a correr bem, até que Sara é baleada na perna 3 vezes e se desequilibra, tendo uma poça de sangue já se formado. Rapidamente a agarro e tento mante-la estável, ela esperneia mas para quando vê que não se consegue manter em pé sozinha. Desesperado grito:

-Ajuda, alguém me ajude!- os guardas olham para mim e depois riem-se, algo de estranho se passa, a função deles era proteger-me- Alguém, por favor!

Nada, ninguém se moveu. Chamo pela única pessoa que me ocorreu:

-Eduarda! Ajuda!- vinda do corredor ela aparece, a correr desalmadamente e fazendo sinal para irmos para fora. Deve ter chamado os reforços, seja lá o que se esteja a passar ela parece segura, por isso sigo-a para fora. Ela continua a correr à minha frente e tenho que fazer um esforço para a acompanhar, tendo em conta que carrego um corpo.

Assim que chegamos lá fora, um rapaz alto e moreno arranca-me a Sara dos braços e não deixo de me perguntar se não será o seu namorado. A Eduarda indica-me para o seguir no preciso instante em que o som de uma explosão ecoa. Surpreendido, viro-me e vejo o Palácio a arder, o fogo a consumir tudo, a roubar a minha infância e a vida às pessoas que lá trabalham, não deixando nada. Aos meus pés para um papel encardido, abro-o e vejo que era a carta do meu pai, também consumida pelo fogo. Essa foi a última imagem que registei antes de tudo ficar escuro e silencioso. Quando voltei a abrir os olhos, percebi que não havia volta atrás. O fogo havia levado tudo, consumido tudo.

E ali morreu uma parte de mim, consumida pelo inexplicável fogo.


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