Capítulo 24 - Frio

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Na entrada da caverna, Ayka, Dahlia e Kadu comiam carne de hiena feita no fogo. Segurei o riso com a mão ao ver o menino com as bochechas cheias.

Como culpa-lo? Carne crua não se compara com essa. Espere até eu conseguir alguns temperos. Seu mundo vai virar ao avesso.

Os olhos escuros da minha mãe e sua pele pálida me preocupavam. Ela também se feriu e não parecia ter se recuperado bem.

Dahlia, sentada ao seu lado bem comportada, segurava uma faca observando a floresta. Haviam olhos amarelos escondidos no meio do mato.

– Aquelas são as hienas de ontem?

Minha mãe respondeu.

– Sim, elas não são burras. Querem nos cansar primeiro para atacar no momento certo.

– Mãe, você deveria dormir um pouco. Eu fico para vigiar.

– Você não se recuperou filho. Pode descansar com o seu pai. Nós cuidaremos disso.

Agora que notei, todos estão no seu limite, inclusive Luna e o vovô. Só Kadu mostrava sinais de energia, mas isso por causa da carne.

– Irmhãozhão, estha dhelichiosa.

Dei um sorriso e disse:

– Kadu, coma com calma. Ainda tem muita carne sobrando.

Organizei os meus pensamentos. Não sei quando o vulcão entrará em erupção de novo, mas tínhamos que sair daqui o mais rápido possível. Contudo, o grupo precisava estar em boas condições primeiro.

Hienas são o menor dos nossos problemas. Existem animais muito mais perigosos no caminho. Vi muitos deles fugindo na mesma direção que tomamos, como ursos, lagartos e aquelas Aves do Terror.

E como vamos sair da ilha?

Um barco seria o ideal, mas o velho vovô disse que aquele monstro que encontramos na água era pequeno. Então, os que havia no mar definitivamente acabariam com todos nós com o menor esforço.

Fechei os olhos decidindo fazer o possível por enquanto.

– Pessoal, tenho algo para contar a vocês.

Nos juntamos perto da fogueira e comecei a narrar o que aconteceu quando conheci Eleonora, excluindo minha transmigração e alguns detalhes sobre ela saber do futuro, é claro. Também pedi que tratassem as gêmeas como se fossem parte da família, pois agora eram a minha responsabilidade.

Quando cheguei à parte de cultivação, todos ficaram empolgados. O vovô não parava de dizer "Oh", "ah", "hum, então é assim". Era como se sua mente tivesse recebido iluminação de um santo.

A energia de todos ao meu redor aumentou simplesmente com minha fala. A compreensão de como a magia funcionava os fortalecia. As hienas na floresta até se afastaram com a pressão que eles estavam exercendo.

Eles melhoraram com tanta facilidade. O que aconteceria se começasse a falar de células?

Veias, ossos e músculos eles entenderam, afinal, dissecaram animais a vida toda. Embora, Luna sim parecia entender. Ela não aguentava mais a animação.

– Rápido! Você tem que mostrar para nós como é feita a cultivação!

Como demonstração, me sentei de pernas cruzadas e cultivei um pouco, absorvendo a energia do ambiente e trazendo-a para perto de mim. Uma parte entrava pela minha pele, mas a maior quantidade entrava com a respiração. De lá, se espalhava por todo o meu corpo alcançando e fortalecendo todas as minhas células.

Inalava ar com mana e exalava impurezas do corpo. Repeti esse círculo uma e outra vez para que pudessem ver claramente como era feito.

O vovô alisava sua barba enquanto cochichava.

– Oh, posso sentir algo puxando o ar. Então isso é o mana se movendo?

Meu pai, do seu lado, estava de joelhos perto de mim balançando a mão no ar.

– Incrível, a energia está se concentrando!

Sem a ajuda de Eleonora a velocidade de absorção era extremadamente lenta. Não poderei evoluir para a próxima fase tão facilmente como antes. Mesmo assim, essa melhora contínua trazia esperança a todos nós. Representava uma forma de nos proteger melhor no futuro.

Assim que todos entenderam o básico, foram meditar imediatamente sentando com as pernas cruzadas. Em pouco tempo, o mana do ambiente se concentrou ao nosso redor. Os vigiei enquanto cultivavam para alertá-los caso as hienas tentassem um ataque.

Uma força avassaladora se concentrou em Luna. Ela concretizou a primeira fase, Nuvem, em pouquíssimo tempo.

Ugh, gênios são outra coisa. Também não faltava muito para ela conseguir.

É curioso como fui ajudado a evoluir, mas eles conseguiram sozinhos só com a informação que forneci.

Minutos depois, o poder do vovô cresceu rapidamente também. Fiquei surpreso, pois pensei que, por ele ser idoso, não evoluiria facilmente. Talvez fosse pelos seus conhecimentos de cura ou experiências de vida. Quando ele olhou os meus machucados, dava para perceber que sabia o que estava fazendo. Provavelmente era o curandeiro da tribo.

Da mesma forma, meus pais estavam acumulando mana rapidamente. O curioso era que, observando-os, senti uma harmonia estranha do casal, como se um complementasse o outro. A taxa de absorção dos dois estava sincronizada.

Infelizmente, nem todos são gênios. Dahlia e Kadu avançaram para cima de mim assim que se depararam com as primeiras dificuldades. Furiosa, Dahlia mordeu minha cabeça, e Kadu derramou lágrimas enquanto me abraçava. Os dois disseram a mesma coisa.

– Irmão! Por que não consigo absorver o mana?!

– Calma gente, vamos pensar um pouco e verei o que deu errado.

Minha mãe abriu um olho triste com a notícia, mas logo voltou a se concentrar no seu treinamento.

Depois de repassar os passos com eles, vi que não conseguiam visualizar o espaço onde preencher o mana ou não sabiam com mantê-lo.

Sentados à minha frente, expliquei de forma séria aos meus alunos. Entretanto, na hora de tentar, não conseguiram novamente.

Frustrada, Luna me empurrou para um lado e disse:

– Só pensem que é como comer a carne só que com ar. Ai vocês deixam ela na barriga. Depois é só deixar a coisa ruim sair.

Ela deu umas palmadinhas na barriga e arrotou.

– Oh!!

Uma cara de entendimento apareceu em todos eles. Até o velho acenava com a cabeça enquanto estava com os braços cruzados e olhos fechados.

Não pode ser que entenderam assim.

Kadu e Dahlia tentaram novamente e conseguiram!

Eu fui esquecido em um canto. Ninguém seimportou com minhas lágrimas e confiança destruída.

Transmigrei para a Idade da PedraOnde histórias criam vida. Descubra agora