Capítulo 26 - Noite dos Amantes

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Assim que terminei minhas tarefas de limpeza dos quartos e corredores, tomei um banho e fui para o escritório do Capitão. A mesa dele estava cheia de papéis todos empilhados e organizados. Havia canetas de tinteiro, carimbos e alguns mapas da cidade e das muralhas. Apenas a vela da mesa estava acesa. Peguei um fósforo e acendi as pequenas tochas que ficavam presas na parede para que o ambiente ficasse mais iluminado.

Ao lado de uma grande estante de livros tinha uma janela grande e de vidro. Afastei as cortinas que a cobriam e a abri logo sentindo a brisa gelada da noite adentrar o local. Tremi um pouco com o frio repentino, mas logo fui invadida por uma sensação de conforto. O céu acima estava limpo e muito estrelado. Do castelo era muito fácil ver as estrelas, pois não tinha tanta claridade como na cidade. Ao longe era possível ver a copa das árvores balançando com o vento. Quase consegui ouvir o som dos sapos e grilos no jardim.

Hoje era a Noite dos Amantes. Um feriado  muito conhecido que minha família e as pessoas da minha cidade gostavam muito de comemorar. Não sei como era feito nas cidades e distritos grandes, mas onde eu morava nós fazíamos fogueiras no quintal, assávamos peixe e verduras e algumas poucas vezes havia uma pequena porção de carne.

Os adultos bebiam vinho até tarde da noite e às 00:00 nós acendíamos lanternas e as mandávamos voando pelo céu. Os amantes escreviam votos um ao outro e desejos de que ficassem juntos para o resto da vida.
Alguns desejavam apenas dinheiro. Eu desejava que pudesse sempre ter um lar cercado de amor para voltar. Eu amava muito minha família. Amava chegar da escola e sentir já na porta de casa o cheiro da comida pronta. Gostava de pescar em tardes quentes com Nick. E gostava de tomar chá ao entardecer com meu pai.

Essas e outras coisas eu nunca mais pude desfrutar. Às vezes, era muito difícil sequer pensar nisso. Tudo o que um dia eu amei, agora eram lembranças dolorosas demais. Meu peito pesava e eu fazia de tudo para não ter que pensar nisso, para não ter que relembrar aqueles dias. Mas era impossível. Uma hora ou outra os pensamentos me atingiam em cheio e eu me via em um deserto frio à noite sem ninguém ao meu lado. Sem nada para me aquecer.

Olhei as estrelas por um tempo e desejei que pudesse viver mais dias felizes, se possível. Pois acredito que mesmo o mundo estando um caos, é possível que tenhamos felicidades, não é? Nem que seja só um pouco.

Segui com os olhos algumas constelações que brilhavam no céu noturno. Fui trilhando um caminho imaginário até meus olhos não conseguirem mais acompanhá-las.

Atrás de mim ouvi a porta se abrir e me virei para olhar.
Seus olhos acinzentados me fitaram e pude ver sua expressão relaxar levemente.
Ele caminhou até mim ainda sem dizer uma palavra.

- Espero que não tenha jantado ainda. - disse colocando uma sacola em cima da mesa e tirando sua capa verde, dobrando-a e colocando-a no braço da cadeira.

- Ainda não jantei. - respondi com um sorriso e virei-me para as estrelas novamente. Senti sua presença ao meu lado e algo dentro de mim se remexeu um pouco.

Ficamos um tempo em silêncio admirando as estrelas. Ou pelo menos por minha parte. Em algum momento eu senti os olhos do capitão se voltarem para mim, mas não tive coragem de olhá-lo de volta. Vi-o limpar as mãos com o lenço (ou o que eu achei ser um lenço, porque ainda não tinha olhado direito, apenas estava usando a visão periférica) e em seguida foi até a mesa e começou a tirar as coisas da sacola.

Nesse momento eu me virei para ele e me apoiei na janela.

- Hoje a cidade estava animada. - disse tirando as tampas das marmitas e colocando-a em cima de uma mesinha que ficava na frente de um sofá.

- Talvez seja por conta do feriado. - me pronunciei. Andando lentamente até o sofá.
Vi as sobrancelhas dele de arquearem em uma expressão de dúvida. - Nunca comemorou o feriado?

Caos | Levi AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora