Capítulo 6 - Ranço

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Não conseguia pregar os olhos. Assim que eu os fechava minha mente me atormentava e eu revia aquela cena. Mas após tanto tempo o sono me venceu e acabei cochilando por um instante.

Eu estava de volta àquele dia. Minha mãe corria em minha direção eu eu corria até ela.
Podia ver o desespero em seus olhos.
Logo atrás dela vinha o titã. Um tipo raro. Corria loucamente e olhava para a minha mãe.

Sua presa.

Assim como toda vez, vi-a ser pega na minha frente. O titã a ergueu até sua boca e mordeu seu corpo até separar o tronco e as pernas.
Muito sangue espirrava e caia em mim. Minha vista ficou embaçada.

Quente. Sangue. Era o que eu sentia em mim. Em todo o meu corpo.

Acordei aos gritos ainda sentindo o sangue da minha mãe em mim. As lágrimas embaçavam meus olhos e meu peito ardia. Eu estava tendo um ataque de pânico.
Minha respiração estava descompassada e eu sentia o ar escasso.
Tentei me levantar e sair, mas minhas pernas fraquejaram e eu caí no chão.

Quando eu vi o capitão Levi à minha frente pude sentir um certo alívio.
Seus olhos preocupados fixaram-se em mim e ele me perguntou o que havia acontecido.
Não consegui responder muito.

Eu precisava sair dali.

Ele me carregou até lá fora e me confortou.
Nunca imaginei que ele pudesse ser tão carinhoso e cuidadoso assim.
Ele me abraçou e acariciou minhas costas até a crise passar.

Há anos eu não as tinha.

O primeiro ano após o ocorrido em Shiganshina foi o pior. Eu tinha pesadelos quase todas as noites e muitas crises de pânico.
Nick sempre me ajudava e de vez em quando Sasha e Connie também apareciam para ver como eu estava.
Os outros estavam acostumados a ouvir meus gritos à noite.

Mas então um dia, simplesmente acabou.
Não tive mais pesadelos ou crises. Não sei o que pode ter ajudado, mas elas se mantiveram inativas até hoje. Até eu ver Eren se transformando em titã.

Pensar que ele consegue tomar a forma de um monstro desses me faz estremecer de repulsa e ódio. Um pouco de medo também.
Não consigo aceitar algo assim.
Eu achava que estava bem com isso, até ver com meus próprios olhos.

- Se houver algo errado, pode vir até mim. - disse capitão Levi, se inclinou um pouco e sussurrou próximo ao meu ouvido - Manterei isso em segredo.

Eu devo ter corado como sempre.
Após isso ele me desejou boa noite e ambos entramos para nossos respectivos quartos.

Não dormi a noite toda.
Tive medo de fechar os olhos e ver tudo aquilo de novo. Eu não suportaria e não gostaria de acordar ninguém com meus gritos.
Lutei contra o sono e me mantive acordada até o amanhecer.
Assim que surgiram os primeiros resquícios de claridade no céu eu me levantei e tomei um banho.

Desci até a cozinha e preparei o café da manhã para todos. Sozinha.

Foi decidido que eu e Eren seríamos os responsáveis por fazer o café da manhã, mas eu não queria encarar ele agora.

Não sei o que eu seria capaz de fazer sozinha com ele em uma cozinha cheia de facas e coisas pontudas.

Esse foi meu pensamento. Talvez Eren não seja culpado, mas não pude deixar de associar sua figura ao maior trauma da minha vida.

Fiz o café e preparei rapidamente uma geleia de amora. Fiz também chá e coloquei o pote de mel na mesa.
Estava tudo pronto quando Eren adentrou a cozinha.

- Você já fez tudo? Por que não me esperou? - perguntou surpreso olhando tudo preparado e a mesa posta.

- Não precisava. - respondi somente e saí da cozinha.

Dirigi-me para fora do castelo e caminhei um pouco pelo jardim.

E, infelizmente, Eren me seguiu.

- Você está com raiva de mim? - perguntou me alcançando e andando ao meu lado.

Respirei fundo.

- Não é isso. - disse apenas e continuei andando e tentando desviar a minha atenção para as flores e árvores, mas a presença dele se fazia muito notável.

Parei de andar, virei-me para ele e dei meu melhor sorriso falso.

- Eu estou bem, Eren. Só estou com uma puta TPM. É só isso. - respondi e ele ficou um pouco desconcertado.

- Ah... É... Então, eu vou te deixar sozinha... É... Tchau - disse e logo voltou para o castelo.
Soltei uma pequena risada nasal e voltei para o meu percurso.

Talvez eu tenha sido um pouco grosseira, mas não é mentira que também estou de TPM, além de que tive uma péssima noite e não dormi nem um pouco.

Continuei andando até chegar em uma pequena "pracinha". Havia um banco de pedra debaixo de uma árvore bonita. Acho que é uma cerejeira. Sentei-me e fiquei aproveitando a brisa da manhã. Ainda era bem cedo e o pessoal ainda estava levantando. Capitão Levi provavelmente já estava acordado.
Ele acorda bem cedo.

Fiquei um tempo relaxando e resolvi deitar um pouco.
O tempo estava ótimo e o vento estava tão agradável que acabei fechando meus olhos em algum momento e peguei no sono.

Acordei quando senti algo ser colocado em cima de mim. Algum tecido. Abri os olhos e pisquei algumas vezes até me acostumar com a claridade.

Quando consegui enxergar, avistei as costas de alguém. Era o capitão. Estava saindo de perto de mim e indo para algum lugar com o Comandante Erwin que estava mais à frente o esperando.
Estava sem sua capa verde da tropa e quando olhei para mim percebi o porquê.

Ela estava me cobrindo.

Ele veio até aqui só para me cobrir?

Achei que levaria uma bronca por estar dormindo a essa hora.

Levi Ackerman me surpreende mais a cada dia.

Caos | Levi AckermanOnde histórias criam vida. Descubra agora