8- A Alice está no país das maravilhas

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EU NÃO TENHO nenhum plano para essa semana, além de ler, pintar e arrumar a casa. A Melissa foi passar uma semana no sítio da avó, para alinhar os chakras, segundo ela, e agora eu não tenho nenhum lugar para ir. É meio deprimente admitir isso, mas eu só tenho a Melissa de amiga. Eu até tenho outras amigas na escola, mas elas não são o tipo de amigas que você convida para sair nas férias, são companhias de intervalo. O Cadu quer ir comigo na pracinha tomar sorvete, só que não estou tão animada. Sei que ele só quer sair comigo porque não tem a Melissa para ficar com ele. Acho que eu queria ter uma irmã. Eu entendo a Melissa por ser tão apegada à Carol. Mesmo brigando muito, as duas tem uma relação que eu nunca tive com ninguém na vida, com nenhuma amiga. Se eu tivesse uma irmã, eu também só iria querer saber dela. Deve ser outra coisa ter uma irmã, outra vida. Gosto do Artur, porém, ele é menino e só se importa com os amigos e com garotas. Não é como se eu pudesse contar com ele para assistir série de tevê ou fazer competições de culinária.

Não sei porque as pessoas gostam tanto das férias. Fiquei de férias por um mês e estou de saco cheio. Sei que vou me arrepender disso, mas no momento, estou dando graças a Deus que as aulas já vão voltar.

A minha mãe está na sala, sentada na sua poltrona, lendo um livro e bebendo vinho. Eu me deito no sofá e pego o controle da televisão.

- Eu estou lendo, Lily. Vai fazer outra coisa.

- Se você colocasse uma tevê no meu quarto...

Ela continua focada no livro.

- Eu ia te dar uma tevê, mas você pediu um iPad. Esquece a tevê pelos próximos dois anos, no mínimo.

Minha nossa. Como eu odeio ser pobre. Suspiro e solto o controle. Continuo deitada, comendo o pacote de biscoito oreo que eu peguei na cozinha, olhando para o teto.

- Mãe, quantas pessoas você já beijou?

Ela ergue os olhos do livro.

- Quê?

- Quantas pessoas você beijou na minha idade. Até uns dezesseis anos.

- Sei lá. Mais ou menos umas quatro.

Me viro e deito de lado, colocando a minha mão embaixo da minha cabeça. Quatro parece um número decente. Um número de pessoas vividas. Que tem histórias divertidas para contar. Eu não tenho histórias divertidas. Se eu abrir a boca para falar sobre a minha vida romântica, a única coisa que eu tenho para contar é um monte de drama.

- Você só beijou menino?

O desconforto da minha mãe se espalha pela sala. Ela levanta as sobrancelhas, olhando para o livro, como se não pudesse acreditar na minha cara de pau.

- Sim. Só rapazes.

Assinto. Já esperava por isso. Mas eu queria mesmo saber.

- Para o que você quer saber?- Ela questiona.- É uma daquelas suas pesquisas antropológicas?

Minhas "pesquisas antropológicas" é como eu chamo fazer fofoca. Descobri um bocado de coisa sobre a minha família só com essa desculpazinha.

- Não, dessa vez, não. - Pego um biscoito e parto no meio, para tirar só o recheio.- Eu beijei apenas uma.

Para minha mãe acho que não preciso mentir. Ela inclina a cabeça

- Uma, o quê?

Desvio os olhos.

- Uma pessoa.

Ela sorri.

- Só você mesmo.

Devolva o meu coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora