Devolva o meu coração

18 - Por trás das cobertas

EU NUNCA ME Lembro de colocar o sal nas refeições que eu preparo. Eu sempre sigo a receita à risca, tento ser o mais precisa possível, mas o sal? Eu simplesmente não me lembro de colocar.

Eu coloco uns graozinhos de arroz no meu antebraço e experimento. Sem sal. Cuspo tudo para fora.

— Você não pode colocar agora?— O Cadu quer saber.

Enquanto eu desligo o fogo, eu respondo:

— Posso, mas não fica a mesma coisa.

— O que você vai fazer, então?

Eu coloco a tampa da panela e jogo a colher na pia.

— Chorar.

As minhas tias estão vindo para um jantar na minha casa hoje e a minha mãe decidiu que eu seria a chefe da noite. Ela não admitiu, mas eu sei que ela está me punindo por ter sugerido que aquela gororoba que ela fez no outro dia estava ruim. Juro por deus, a minha mãe deveria ser mãe da Melissa.

O meu plano é cozinhar um frango a parmegiana, que é facil e gostoso. O Cadu apareceu aqui em casa quase agora. O pai do Cadu mora ali na esquina e as vezes ele passa aqui quando o pai dele o irrita. Mas hoje, em especifico, o Cadu não queria reclamar sobre o pai dele. Ele queria reclamar sobre outra pessoa. Eu vou me agacho diante o forno para checar o ponto do frango a parmegiana.

— Mas sobre a Melissa, Cadu, fica tranquilo. Ela com certeza te ama. Do jeito dela.

Eu escuto o Cadu soltar um suspiro solene.

— Não sei, Lily. A Melissa sempre parece que gosta mais de qualquer coisa do que de mim. Antes, ela tava obcecada com a tese sobre o Senhor mosca. Agora, ela tá obcecada com essa história de grêmio.
— Ele dá de ombros.— E parece que eu sou invisível.

O Cadu faz uma expressão de cachorrinho que caiu da mudança e eu fico com tanta pena, que vou até ele abraça-lo.

— Para com isso, Cadu. Tipo, ela reserva os finais de semana para você! Sabe que o tempo da Melissa é muito precioso. Com certeza, ela gosta mais de você do que de mim.

O Cadu franze a testa.

— Ela não gosta mais de mim do que de você! Tá doida? Ela sempre me troca pra ficar contigo.

Eu sinto ressentimento contido na voz dele.

— Todo final de semana ela diz que não pode sair comigo, porque está com você, Cadu.

O Cadu ri, com deboche.

— Hã, me desculpa, Lily, mas faz duas semanas que eu e a Melissa não nos vemos no final de semana porque ela diz que está tratando uma emergência com você.

Faço uma careta. O que a Melissa está aprontando?

— Isso é estranho.

— Muito.

— Eu vou falar com a Carol. A Melissa, sei lá. Ela é muito difícil.

Eu acho que "dificil" não é a palavra correta. Eu acho que a palavra correta é " independente". A Melissa só precisa dela mesma, ela gosta de ficar sozinha, não sei como ela consegue. Eu pensei que quando a irmã da Melissa fosse para a faculdade a Melissa iria me usar para preencher o vazio que a irmã dela deixou. Mas, pelo visto, não. Dói admitir, mas a Melissa está aproveitando que agora tem um quarto só para ela lendo, estudando e sei lá pensando como vai dominar o mundo. A Melissa nunca precisou de mim, por exemplo. Eu comento isso com o Cadu, mas ele rejeita a minha hipótese.

— Na verdade, eu ja sei qual é o problema. Ela não deixa a gente ficar intimimos, sabe? Por isso que ela me evita tanto.

Olho para a porta da cozinha para ver se tem alguém vindo e abaixo o tom de voz.