O DIA MAL COMEÇOU e o calor já está tão apocalíptico que dá vontade de chorar. Na minha cidade, Clovic, até temos uma piscina pública, mas ela é tão suja, que ninguém gosta muito de ir lá. Quando está quente assim e você não tem a sua própria piscina, as únicas opções que restam para nós, meros mortais, é nos esgueirarmos para alguma casa que tenha ou ir à praia na cidade vizinha, em São José. Já fui à casa do Cadu ontem, então a primeira opção está fora de cogitação. Da mesma maneira, a praia mais próxima fica a duas horas de distância e eu nem sequer tenho alguém para ir comigo, em primeiro lugar. Acho que a única coisa que eu posso fazer hoje é limpar a casa. Se o chão estiver limpo, ele também ficará gelado e eu vou poder deitar no piso e ler o livro sáfico que eu comprei na semana passada.
É. Grande férias de verão.
Eu começo limpando o chão, mas depois eu me empolgo e limpo tudo. Passo pano nos móveis, no chão, em todo o lugar. Depois, vou relaxar. Pego o meu livro no meu quarto e preparo um lanche. O cheiro do produto de limpeza que eu usei é tão forte que a casa inteira cheira a limão.
Estou andando para a sala, equilibrando um copo de suco de laranja e um prato com um misto-quente, quando a minha mãe desce as escadas.
- Lily, quer ir na academia comigo?
Faço uma careta, enquanto parto o misto quente no meio, assistindo o queijo derretido se expandir e quebrar em duas partes. Nesse calor? Credo.
- Não, obrigada.
- Sua resolução de ano novo não era se tornar fisicamente mais ativa?
- Eu ainda tenho quase doze meses para fazer isso. Por enquanto, vou me concentrar em ler. Tenho que ler o dobro de livros que eu li no ano passado.- Eu abro o livro na primeira página.- Acho que nesse ano vou ficar bem ocupada.
Minha suspira e vai até a cozinha para tomar seu café da manhã. Eu estou a ouvindo mexer na gaveta de talheres, quando o Artur desce as escadas, recém-saído do banho, com a mochila nas costas.
- Artur, aonde você vai?- A minha mãe quer saber.
- Na praia com o Alex. E eu preciso de dinheiro para a gasolina.
A minha mãe afunda a sua colher no mamão.
- Por que eu sinto que desde que o Alex começou a dirigir, eu estou colocando mais gasolina no carro do pai dele, do que no meu?
O Alex é o melhor amigo do meu irmão e mora aqui na rua, no fim da esquina. No final do ano passado, ele emitiu a sua carteira de motorista e agora ele e o Artur vivem por aí, dando voltas no carro do pai do Alex. Às vezes, se eu estou por aqui a toa, eles me levam. Na semana passada, fomos ao cinema assistir o novo filme da Marvel.
Artur dá de ombros, e pega um copo no armário, o enchendo com a água da garrafinha.
- Se você me comprasse um carro, você botaria gasolina no meu carro.
Minha mãe sorri com a boca fechada. Essa é a reação mais característica da minha mãe: O sorriso falso. Eu e meu irmão crescemos cercados por sorrisos falsos, promessas não compridas e um leve aroma de hidratante facial e tabaco.
- Boa tentativa.
O Artur vem até aqui e se senta no sofá, para secar o cabelo. Eu largo o meu livro e me inclino para ele.
- Ei, eu posso ir com vocês?
Artur nem me olha.
- Não.
Eu me encolho e olho para a minha mãe. Ela continua comendo o mamão.
- Então, mãe acho que eu vou precisar... - Artur continua.
Saio daqui e vou colocar o prato vazio na cozinha, antes que eu ceda aos meus instintos mais primitivos e voe em cima do idiota do meu irmão.
- Por que você não pode levar a menina? - A minha mãe quer saber, o interrompendo.
O Artur faz um gesto com o ombro.
- Vai rolar uma festa na praia e a praia vai tá cheia de gatinhas.- Ele me olha e estremece.- Ela vai se sentir mal lá.
Ignorando a provocação do meu irmão, eu pergunto:
- Vai ter festa na praia? De quem?
- Da Natálie Garcia. Ela tá fazendo aniversário.
A Natálie Garcia é a atual melhor amiga da minha antiga melhor amiga, a Alice Giócomo.
- Hum.- Eu faço e volto para o sofá.- De qualquer maneira, Artur, eu só vou deitar lá e ler o meu livro. Pode ter certeza que eu não quero ir pelo prazer da sua companhia. Você nem precisa ficar perto de mim.
Por que o Artur não entende que eu estou em crise? Eu preciso de sol, de água de coco e do mar para recuperar a minha estabilidade emocional. Eu estou tentando, mas depois daquela conversa com a Melissa, eu só consigo pensar nela. Na Gabi. O pior, é que eu sei que o meu irmao só está tão relutante em me levar porque quer me implicar. Às vezes, o Artur sente a necessidade, sei lá, histórica de ser chato comigo. Mas, antigamente, não era assim. Houve uma época em que ele gostava de me ter por perto. Ele dormia no meu quarto e me deixava brincar com o cabelo dele. Mas aí ele entrou para o ensino médio.
Exatamente como eu previa, o Artur finge que eu não sou nada mais do que um inseto irritante e continua falando com a minha mãe:
- Como eu ia dizendo...
Minha mãe joga a casca do mamão no lixo.
- Artur, leva a bichinha. Eu vou pagar a gasolina, mas você terá que leva-la.
Ela tira o dinheiro da carteira e coloca em cima do balcão.
- E tome conta dela!- Ela ordena, enquanto sobe as escadas para voltar para o seu quarto.
O Artur vira os olhos. Eu sorrio. Esses são os pequenos prazeres de ser a filha mais nova. O Artur já deveria estar acostumado.
- Vou me arrumar.- Eu digo, pegando meu livro e indo subir as escadas.
- Vamos sair em meia hora, cabeçuda, com ou sem você!
- Tá!
- E vê se coloca um biquíni decente!- Ele grita para as minhas costas.- De preferência, vá de short!
- Pode deixar!
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Devolva o meu coração
Ficção AdolescenteEmily Louise é de peixes. Ok, muitas pessoas são de peixes. Não é esse exatamente o problema. O problema são os romances sáficos que ela não para de ler. Ou será que são as músicas de amor que ela não para de ouvir? Seja qual foi o problema, Emily p...