Capítulo 2 - Overthinking

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     Você acredita em elefantes? Giulia Mondini sim, mas nunca viu um na vida real. Ela também acredita em corvos e cangurus. Todo mundo acredita! Porque outras pessoas já viram, antes mesmo que pudessem tirar fotos e compartilhar na internet.

Mas então como e por que, as pessoas desacreditam de algo que ela diz ser? Giulia, o exemplo vivo, a pessoa pensante que está falando ela é: bissexual. Não gosta só de garotos. Gosta de pessoas.

E não acreditam. 

Esse tipo de coisa começa a fermentar na cabeça dela quando Giulia fica muito tempo calada, por isso prefere falar. Vai falando tudo o que quer e depois vai lidando com o que deu certo ou não. É melhor do que ficar só pensando e pensando, melhor porque acha que se um dia falar em voz-alta for um problema, ela já terá dito tudo o que queria.

Só que as reações variam muito com lugar onde ela está, e Giulia já percebeu.

Por exemplo: falar para os meus amigos que começou a namorar uma garota gerou tanto efeito quanto uma folha seca caindo de uma árvore, mas seus pais descobrirem foi um foguete que vai ao espaço com um Challender explodindo um ônibus espacial e matando todas as pessoas. Ela não entende porquê, mas aprendeu que existem locais onde pode ser ela mesma e outros onde precisa fingir que não é.

Isso porque Giulia tem 16 anos e infelizmente ainda depende muito das pessoas que não querem – nem por um instante – conhecer sua verdadeira face. A parte boa é que ela sabe que um dia essa dependência irá acabar e ela vai conseguir ser uma só em todos os locais onde colocar seus pés e, naqueles onde isso for um problema ela poderá apenas não ir.

— Jonas? — Sérgio pergunta para Giulia. Ele tem a testa tensionada e encara o celular enquanto fala. — Vai ser legal ter alguém bom em matemática no grupo.

— Tanto faz — Lucas responde, está ao lado de Sérgio. O desanimo em sua fala só não é maior que o visível em seus olhos amarelos. Todos sabem que para ele, mais do que para qualquer um, estar fazendo isso sem a Marcela é um tipo de tortura.

Giulia conviveu dois anos com Marcela, um ano e meio para sermos justos ao tempo dela no convento, e a falta de Marcela já a deixa desconfortável. Giulia não consegue nem imaginar a confusão que se passa dentro de Lucas, mas nada pode fazer a respeito disso.

— Jonas — determina Giulia, a então única garota do grupo.

Ela está com os braços cruzados na porta da sala de aula da 2ª série e os cabelos cor-de-rosa estão presos como o de uma boneca no topo da cabeça. Giulia olha para Lucas, que está entretido olhando algo bem longe deles.

— Ela não falou mais nada no grupo — Giulia continua, Lucas a olha porque sabe que ela está falando sobre Marcela. — A Ma tá bem?

— As aulas lá começaram há uma semana, né? Ela já tá mais ou menos pegando o jeito. A gente se fala todo dia — sussurra, começando a entrar na sala. — Ainda não mandou mensagem pra ela por quê?

É complexo para Giulia. Não falar é muito difícil. Acontece que no ano passado elas se beijaram dentro de uma sala de roupas no teatro e foi muito bom. Absurdamente bom, mas morreu ali. Nenhuma das duas disse mais nada e, no dia que ela criou coragem para dizer alguma coisa foi quando o caos aconteceu.

A família de Giulia convidou Marcela, Carlos e os pais para o Natal. A família do Lucas também estava lá e a do Sérgio tinha viajado para o Rio de Janeiro. Os três amigos dividiram seus presentes e Giulia amou ter ganhado Six of crows, mas então Marcela escutou uma conversa e ficou possuída por algum demônio do mundo antigo. Giulia poucas vezes viu Marcela ficar tão irada quanto naquele dia, com as bochechas vermelhas e os olhos brilhando em lágrimas. Não havia espaço para falar sobre o que aconteceu naquela salinha. Aquilo parecia tão diminuta em meio ao caos consolidado na vida da garota porque é apaixonada. Logo depois Giulia viajou com os pais e seu celular virou objeto quase proibido. Ela até mandou Lucas entregar um adesivo de presente para a Marcela, mas mal falou com ela nesse intervalo de tempo. Agora é estranho mandar mensagem falando sobre isso, depois de um tempo que considera grande.

— Vamos jogar uno no intervalo? — Sérgio pergunta, se sentando na carteira atrás de Lucas e Giulia encara o espaço vazio à sua frente. Ninguém vai se sentar ali, é muito exposto aos professores para qualquer um que não os conheça tão bem quanto Lucas e Marcela.

— Eu trouxe bis para isso. — Giulia sorri, mostrando a ponta da caixa e Sérgio comemora baixinho. — Ei, vai dar tudo certo — ela sussurra para Lucas, que suspira. — Você lembra?

Lucas aperta os olhos.

— Pelo menos o Igor se formou — diz Giulia, Lucas solta um sorriso. — Ou vai sentir saudade dele também?

— Nem um pouco! — Lucas responde. Eles observam a professora de óculos quadrados entrar na sala de aula com um sorriso largo no rosto. — Você deveria mandar a mensagem. Para a Ma, deveria. Ela vai gostar. Está se sentindo um pouco sozinha lá.

— E aquela colega de quarto que parece uma personagem do Tim Burton? — Sérgio pergunta, Giulia o encara. — Você não viu? O Lucas seguiu ela no Insta. — Sérgio começa a procurar o perfil da menina em seu celular e depois o estende para Giulia. — Um espectro entre Flora do Club das Winx e Wandinha da família Addams.

Giulia passeia pelo perfil da colega de quarto de Marcela. Desde as fotos abaixo de um sol forte para mostrar a intensidade de seus olhos verdes até aquelas em uma neblina densa que a deixava semelhante a uma vocalista de banda de rock alternativo. Era bonita, estilosa e, sem perceber, Giulia sente um aperto no coração.

— A Lis é doidinha — Lucas comenta, retirando o caderno da mochila. Giulia devolve o celular do Sérgio. — Acho que vocês se daria bem, ela me lembra você.

Giulia umedece os lábios. Sabe que foi um elogio, mas no momento está com um sentimento muito conhecido na boca do estômago. Aquele sentimento que sentiu quando Marcela disse que estava apaixonada por Daiana, no ano passado, e que a coloca em um estado de defensiva. Ela bate os dedos na mesa de maneira repetitiva e depois olha para trás.

Daiana está lá, sentada junto com o grupo de Paulinha e mais duas garotas com as quais não conversa. Ela saiu do grupo por definitivo depois do término com Lucas e desde então ninguém sabe o que acontece com ela.

— Está com ciúmes — Sérgio sussurra, Giulia arregala os olhos em sua direção. Lucas olha de um amigo para o outro com os lábios descolados. — Não está? Ficou com ciúmes da Marcela. O Lucas também ficou, é que ele mente bem.

— Não temos ciúmes pelo mesmo motivo — Lucas diz e sorri para Giulia. — Manda mensagem! Manda mensagem!

— Cala a boca vocês dois! Que inferno! — grita, mas se cala quando a professora a olha em julgamento. Giulia engole em seco.

Deveria mandar mensagem. Só que... não tem coragem. Marcela está tão distante, tão fora a realidade e tudo fora da realidade a assusta de verdade. Não é palpável, como era ver Marcela todos os dias, e então não é mais a mesma coisa. Por que Marcela não manda mensagem? Giulia não quer parecer invasiva e insensível ao que Marcela está passando. Viu? Ela já começou a pensar demais. De novo. 

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora