Giulia não se sentia pronta para entrar naquele que chamam devorador de filhos. O portão enorme e amarelo no aeroporto de Guarulhos onde quando se passa, deixa-se metade do coração do outro lado. Um local que mesmo quando você voltar, nunca mais vai conseguir pegar de voltar. Isso porque durante o tempo morando fora, costuma-se tentar concertar esse coração quebrado com retalhos e costura. Se molda um novo com base naquele que uma dia esteve batendo no peito. Por isso, ninguém que entra ali é o mesmo se voltar. O pedaço que ficou, se você o encontrar, não se encaixa mais e nem ao menos há espaço para ele. Tudo o que você pode fazer é remodelar seu coração de novo, porque metade dele ficou do outro lado do portão do outro país. É uma faca de duas pontas.
- Boa sorte - Lisbete disse antes de abraçar Giulia. Não era algo tão íntimo, mas também não era distante.
Elas nunca foram tão amigas, mas a confusão que Giulia fez na cantina por Marcela e a quantidade de tempo que passou no quarto das duas fez com que criassem admiração uma pela outra. Essa é a base de uma amizade.
- Giu não trabalha com sorte. - Lucas sorriu, mas seu desejo de chorar saiu quando Giulia veio caminho para o seu abraço.
Esse era um dos abraços mais conhecidos de Giulia. Lucas sempre apertava mais forte antes de soltar, mas dessa vez ele continuou abraçando e abraçando. Soltar era tão difícil pra ele quanto era pra ela.
- Você foi a melhor decisão que tomei no nono ano, Giu - ele comentou.
Afastaram-se ambos chorosos e Giulia deu dois tapinhas em seu rosto. Ela disse:
- Realmente você teve bom gosto.
Era como se despedir de um irmão. Doía fisicamente.
- Volta logo - Sérgio pediu, apertando Giulia logo em seguida.
A diferença de altura era tão grande que ela sempre acabava com a cabeça dela encostando abaixo do peitoral dele. Parecia uma criança. Ela gostava, era como ser embrulhada para presente.
- Vê se fica famoso pra ir me visitar - a voz de Giulia ficou grossa por causa do nó na garganta e os olhos esmeralda iam se inundando como um rio após um dia de chuvas intensas.
Hélio-137 foi o apelido que Sérgio colocou no progenitor de Giulia. Uma referência direta ao Césio-137, que provocou o maior desastre radiológico do mundo em 1987. Isso foi em Goiânia, quando um grupo de pessoas encontrou um pó muito fluorescente e azul em uma casa abandonada e fizeram festa com aquilo. Essa festa espalhou radiação pela cidade, provocando intoxicações extensas com direito a mortes e amputações.
Sérgio disse para Giulia um dia de abril:
- É como tipo ele amputando a gente de você. Por isso faz sentido.
Giulia concordou. Entretanto, Marcela não foi a primeira. Ela sente que nunca conheceu sua mãe. Desde que ela nasceu Hélio já vinha intoxicando-a por anos. Tudo o que sempre foi oferecido era uma carcaça de quem um dia Márcia já foi. Sabe disso porque sua avó e até mesmo sua tia falam isso. Ao mesmo tempo que dói, Giulia sente muito orgulho de sua mãe. De tudo que ela fez com apenas uma carcaça. Sua mãe fez muito, muito, mais do que era possível.
- Minha filhinha - Márcia colocou as mãos sobre os ombros de Giulia e a observou por alguns segundo, como se estivesse descrente de que sua cria realmente tomava rumo para outro país. - Se cuida, toma cuidado - pedia, alisando o cabelo liso de Giulia. Finalmente a abraçou. Seus pés mudavam de posição, ninando a filha recém adulta.
- Vou sentir saudade, mãe - Giulia disse, chorando agora a ponto de soluçar, questionando suas decisões, recebendo as bênçãos que só uma mãe consegue dar.
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⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]
RomanceEsse é o segundo livro da vida da Marcela, o primeiro se chama "Não se Apaixone por ela" e você precisa ler ele primeiro para entender esse daqui. Está disponível aqui no meu perfil 💓 -----***----- Marcela odeia confus...