Capítulo 36 - Quando a realidade bate em sua porta part. 2

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Algumas coisas acontecem por um acaso e só resta aos envolvidos aceitar a realidade porque nada a mudará. Outras, porém, são resultados diretos de escolhas já feitas e por mais que as pessoas gostem de fingir que não sabiam, elas sabem que tiveram opção. Não é sobre culpa, é sobre responsabilidade.

Marcela sabe que está em um momento específico de sua vida no qual essas escolhas estão sendo feitas dia após dia e que no futuro, próximo ou distante, ela assistirá os frutos de suas decisões baterem em sua porta. Colheitas boas ou ruins, chegarão.

Ela decidiu que esse ano não seria como os outros. Não foi culpa sua que Lucas sofreu um acidente, mas com certeza está nas mãos dela se afastar ou não de Sérgio. Porque, se Sérgio é capaz de ver isso ou não, não importa no final do dia. Não tem importância porque ela sabe. Marcela sabe que precisa dar importância às pessoas em sua vida agora e não quando as perder por alguma razão.

Giulia comprou os ingressos para que Marcela viesse com ela ao jogo de Sérgio e Carlos veio de enxerido porque, de maneira até mesmo engraçada, Hélio confia nele como se Carlos não fosse um dos maiores torcedores de Giulia e Marcela. Não são muitos os momentos que elas tem juntas graças ao insuportável pai de Giulia, que ela se recusa a chamar de sogro quase tanto quanto sua namorada gostaria de parar de chamá-lo de pai, mas Carlos facilita muito qualquer encontro.

Nesse conta gotas de felicidade, parece que que o sentimento cresce graças à saudade. O sorriso sempre se abre quando Giulia aparece, mas Marcela economiza seu amor como se precisasse colocar um pouco em um cofrinho de sensações para que mais tarde se seja bêbada pelas lembranças. A ocitocina que vem aos montes, o coração bobo que acelera, o beijo molhado no rosto, os dedos das mãos se cruzando. Tudo parece um grande espetáculo.

Marcela nunca havia lido nada de Clarice Lispector, e em sua idade poderia ser perigoso ler e depois associar a escritora a uma confusão e tédio por falta de vida vivida para entender. Porém, caso tivesse lido, saberia que está sentindo a insuportável cócega na alma graças a uma quantidade grande de doçura. Era como afogar em sua comida favorita. Musse de maracujá, no caso de Marcela, e dentro do prazer intenso se sentir enjoada.

Não era preciso dizer uma só palavra. A esse ponto, Giulia e Marcela tinham um diálogo dentro dos olhos que era parecido com o de amizade, mas diferente. Um diferente bom, daqueles que te deixam ansiosa por besteira e logo recompensada do jeito que quer. E todos os beijos, discretos e rápidos, era únicos. Na fila do banheiro. Do lado da barraca de cachorro quente. Marcela não queria que precisassem ser discretas, mas também não se via preparada para chutar o balde na cara dos seus pais e depois ter que buscá-lo.

Ao mesmo tempo que Marcela quer falar, o medo vem dizendo que ela deveria esperar. Não é esperar para descobrir que seus pais a aceitam ou não, isso uma hora vai vir à tona e ela até queria que fosse logo. Marcela só não quer abrir o mar para que ninguém passe. Apesar de evitar ao máximo pensar sobre isso, ela sabe que as chances de Giulia ir embora são reais e que poderia ter que sustentar a tempestade com seus pais sem ter ela. Foi o que aconteceu na escola, quando a atacaram por uma namorada que na época nem tinha, e isso não mudava nada. As pessoas nunca esquecem e nunca se calam. Ao contrário de Giulia, Marcela não aguentaria ter seus pais contra ela.

Agora que pensou nisso, Marcela se sente egoísta.

- Vou no banheiro - Marcela informou já se levantando na arquibancada alta frente ao campo onde o jogo iria começar dentro de alguns minutos.

Ninguém entendeu direito o que ela disse, mas Carlos estava muito entretido dando dicas de como ser uma mestre melhor nas mesas de RPG. Esse assunto aborrecia Marcela. Giulia não conseguiu ir na partida de RPG. E Sérgio, mesmo depois de todo o estresse que passaram, foi. Ela até convidou Lisbete e Victor, mas esse está bem longe de ser o entretenimento favorito dos gêmeos, e mesmo que Sérgio e Carlos estivessem lá, eles preferiram assistir alguma coisa. Ela queria mesmo era viver naquele passado onde a roda animada se formava no tapete de sua sala e todos ali estavam muito ocupados vivendo aquele momento, mas sabia que isso era um sonho distante.

⚢ Não Mate Borboletas Por Ela ⚢ [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora