Capítulo 24 - Artur

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Foi como se Artur tivesse reaprendido a enxergar. Agora que tinha ao seu lado Lucas, Anele e Makai novamente, tudo parecia mais nítido e seguro, mesmo que os corredores pelos quais Portis Hagar - o pai de Moran - os guiava.

Havia um cheiro de mofo bastante intenso naquele labirinto. Artur podia ver que havia água escorrendo de algumas paredes e, por isso, concluiu que estavam no subterrâneo de algum local habitado. Ninguém conversava, e o garoto sentia-se ansioso por entender exatamente o que tinha acontecido com seus amigos no período em que estiveram separados.

O restante da trupe seguia em silêncio completo e o único barulho a ser ouvido por ali era o chapinhar apressado de passos. Em determinado momento, pareceu que o trajeto tinha se tornado uma subida, e não demorou para estarem aos pés de uma escada. 

Jean, que estava a sua frente, parou abruptamente seguindo as orientações que vieram de Portis e Moran, que lideravam o caminho. Artur trombou com ele, e sentiu Lucas às suas costas parando também, até que um dos irmãos grandalhões gritou lá atrás.

- O que houve?

Não haviam ainda tido oportunidade para apresentações formais, então Artur ainda não sabia o nome de algumas pessoas do grupo.

- Vamos subir uma escada agora, e ela é estreita. Talvez vocês grandões aí tenham um pouco de problema, tentem passar virando de lado - comunicou Portis - vamos parar no porão da minha casa. Torçam pra ter alguém lá nos esperando.

- Como é? - perguntou Theo, desconfiado, falando pela primeira vez desde que haviam descido o túnel do bunker. 

- É desse jeito mesmo, moleque - replicou o velho, impaciente - Eu mandei gente nos esperar lá, E nos levar pra um lugar mais seguro e infiltrado na cidade. É quase do mesmo jeito que a mocinha veio parar aqui em segurança. - Ele indicou Anele com o dedo, e ela sorriu cansada. 

Artur sorriu de volta. Era bom demais saber que estava com todas as pessoas mais confiáveis juntas, em um lugar só. Permitiu-se sentir segurança por pelo menos uma vez durante todo aquele tempo. 

- Sigam-me! - gritou Portis. 

Todos o acompanharam, espremendo-se escada acima. Devem ter subido por aproximadamente dez minutos. Artur agora, além do cansaço iminente, sentia os músculos da perna repuxando. De repente, o velho Portis parou e o garoto sentiu a mesma sensação de todos se trombando atrás dele. Uma porta foi aberta com cuidado e só depois de alguns segundos a entrada por ela foi autorizada.

A casa de Portis e Moran era velha, porém bastante organizada. A noite agora caía, e sombras se formavam por todo o aposento - a sala. As cortinas de todos os ambientes estavam fechadas, contribuindo para esse visual. Os móveis era velhos e Artur ficou tentado a se sentar no sofá mais próximo para descansar e, quem sabe, tirar um cochilo, mas conteve-se. O silêncio era arrasador, e Portis enfatizou que ele fosse mantido. 

Artur deu uma boa olhada no grupo. Todos pareciam irremediavelmente nervosos, com exceção de Moran, que sabia que poderia confiar plenamente no pai. Este, aliás, pediu licença e lentamente dirigiu-se para outro cômodo. Nesse momento, Makai sentiu-se seguro para comentar:

- Em outros tempos, eu mijaria nas calças de ansiedade. - e riu, aquela risada familiar e reconfortante que Artur tanto apreciava. Tanto é que riu também, e de repente Anele o acompanhou, e Lucas, e até as outras pessoas já formavam um sorriso com o rosto. 

Pareciam-se, pensou Artur, com um grupo qualquer de amigos agora, rindo e se divertindo em circunstâncias absolutamente normais e aceitáveis, longe do caos que o lugar em que viviam enfrentavam. Era delicioso, Artur sentiu até mesmo lágrimas inundando os olhos diante do riso incontrolável. Mas tudo o que é bom dura pouco, e o clima foi quebrado quando Portis adentrou o aposento com pressa, o rosto vermelho muito bravo.

- Calem a boca, cotovias! Agora não é hora de dar risadas. Josen está lá fora esperando com a van. Fiquem quietos e me acompanhem. Entrem todos pela parte de trás. Lá, encontraram água e algumas frutas, para se recomporem. O trajeto não é longo. A van é roubada dos guardas, aquele menino é esperto. Vou com ele no banco da frente para ficar atento à movimentação das ruas, mas pelo toque de recolher, todo mundo já deve ter sumido do caminho. Vamos entrar em Cefurbo novamente, bem no miolo da cidade e aí veremos como nos espalhar.

- Josen? - era Theo quem questionava novamente. Soou bastante grosseiro. - O sobrinho da Velha Marge? Ele é uma criança! 

Portis fechou a cara e aproximou-se de Theo, sério.

- Olha só, galã. Você tem duas opções. Ir com a gente ou ficar aqui. Quando meu filho falou que eu estaria diante de um líder, francamente! Eu esperava mais. Aquele ali - ele inclinou a cabeça em direção a Lucas - tem mais porte que você. Inspire-se.

Constragimento era a melhor palavra para definir aquela situação. Mas Artur parecia concordar com o velho. Achava que Theo estava com a aparência de uma pessoa que definhava aos poucos, mesmo sem conhecê-lo bem. Depois, aumentou levemente a voz dirigindo-se a todos os presentes:

- Não estamos obrigando ninguém a vir conosco. Mas posso garantir que apenas pessoas que estão DO MESMO LADO estão envolvidas nisso. E tenho dito. Não vou entrar nesse assunto de novo. Façam o que quiserem. 

Ele virou-se e retirou-se da sala. Moran foi atrás dele, sem olhar para trás. O amigo mais baixo de Theo, Ducan, também foi para fora. Depois, os dois grandões, que pareciam nem ter pensado duas vezes a respeito. Makai e Anele saíram em seguida, o garoto apoiando a amiga pelos ombros, dando uma piscadinha para Artur. Tannis e Jean trocaram um olhar de assentimento e partiram. A garota bonita, calada e chorosa adiantou-se a passos rápidos, quase uma corrida miúda, com o rosto baixo e os braços envolvendo o corpo, parecendo querer distanciar-se dali o quanto antes.  

Na sala, ficaram Artur, Lucas e Theo, emburrado a um canto. Ele estava encostado na parede, um semblante de raiva e frustração misturando-se lentamente. Lucas olhou para ele, como se estivesse o chamando. Ele não retribuiu, sequer levantou a cabeça.

Então, Lucas pegou na mão de Artur e os dois saíram para o jardim, piscando várias vezes para se acostumarem com a forte luz da lua e indo de encontro ao que parecia ser, enfim, o final daquilo tudo. 

Crônicas da Nova Era - A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora