Capítulo 12 - Meridan

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Uma batida seca na porta informou Meridan que a hora havia chegado. O comandante Zion foi anunciado e entrou a passos firmes e insolentes pela sala, agora escurecida pelo crepúsculo.

Fez uma continência para Meridan, que não perdeu tempo sendo simpático. Levantou-se rapidamente da cadeira confortável que um dia fora de Thiegan e caminhou em direção ao chefe de guarda, as botas pesadas ecoando no piso de pedra escura.

- Onde ele está? Quero ver a cara do safado.

- Está lá fora, senhor. Encapuzado, e, se me permite dizer, fiz um bom trabalho, já que trouxe três outros rebeldes como cortesia.

Meridan estava impaciente.

- Bom, eu não permito, mas mande logo seus capachos trazerem todos aqui. Quero examiná-los pessoalmente e dar toda a minha atenção especial a Garlan. Depois veremos realmente do que você foi capaz.

- Tem um pirralho também, senhor. Acho melhor informá-lo, para que não se surpreenda. Porque a ele, já surpreendemos o suficiente. - Zion falou, sem dar atenção às grosserias dele.

- Como é? - Meridan assustou-se. Não tinha se esquecido da informação passada pelo prisioneiro Hiam a respeito de um garoto capturado; tinha, inclusive, depois de mandado reunir o conselho para aguardar a chegada de Zion e companhia, recrutado um grupo de investigação e análise de rastreadores e do destino final daqueles que já haviam sido disparados. Mas se aquele fosse o moleque mencionado... Era estranho. Afinal, ele estava no grupo de Hiam. O grupo de Lucas Benson. Pensaria a respeito disso depois de ver os prisioneiros.

- MANDE ENTRAR AGORA! - gritou.

Zion assentiu e bateu palmas, com a expressão orgulhosa.

Os capachos do chefe de guarda entraram, escoltando e arrastando quatro prisioneiros: a criança, uma garota, e dois rapazes, todos encapuzados. Um deles estava com os braços expostos e cobertos de tatuagens, logo Meridan deduziu que ele não era Theo Garlan.

Meridan tinha visto Theo poucas vezes na vida. Apesar de estar sempre em volta de Viktor Thiegan, o governante procurava não misturar os conselhos de estado, ou seja, o próprio Meridan, com funcionários menores, responsáveis pela parte financeira ou de documentação, por exemplo. Por isso, lembrava-se vagamente dele como um rapaz alto, magro, porém de estrutura forte, e cabelos e olhos.... bem, não estava a par de tantos detalhes assim. Duvidava que importasse, também.

Dirigiu-se até os prisioneiros, que foram colocados em fila, por ordem crescente, algemados ou amarrados por cordas. Zion estava postado ao lado, o peito estufado aguardando ansiosamente o reconhecimento pelo trabalho realizado. Meridan abaixou-se, ficando cara a cara com a criança, e puxou o capuz dela. Não lembrava-se ver um olhar tão obstinado em muito tempo.

- Quantos anos você tem, moleque? - perguntou e não obteve resposta. O menino fixou o olhar em algum ponto à sua frente e nem piscava. Seu maxilar estava contraído e ele claramente fazia esforço para manter-se quieto. - Tudo bem, teremos tempo pra isso depois.

Caminhou lentamente para o próximo da fila. Puxou o capuz e deparou-se com uma menina de traços bonitos e delicados, cabelos loiro-avermelhados e a pele branca. Desferia exatamente o mesmo olhar que o garoto. Seriam irmãos?

- Belezinha. Você será útil por aqui. - A resposta dela foi um cuspe no chão, junto aos pés dele. Meridan riu e puxou o capuz do próximo prisioneiro, o que tinha braços tatuados. Viu que este sim parecia-se mais com a menina. Pensou maldosamente se não seria uma família inteira que tinha em mãos.

- Ora, ora - comentou - que belo espécime para ser incluído no exército. Vai dar um pouco de trabalho, mas acredito que chegamos ao ponto em que poderemos dominar alguém sem uso de rastreadores facilmente, e já temos a cobaia.

O rapaz riu e, finalmente, Meridan ouviu uma voz além da sua e de Zion:

- Eu não contaria com isso... senhor. - disse, de maneira irônica - E você é mais feio do que eu imaginava.

Meridan desferiu-lhe um tapa no rosto e ganhou um olhar de desafio do rapaz, junto a uma risadinha infame. Zion pigarreou.

- Esse aí é um pouco atrevido, senhor. Cuidado com ele. Mas... vá ao que interessa. A hora é agora. Theo Garlan! - exclamou, exaltando-se um pouco e esquecendo-se da postura que tentava conservar.

Meridan dirigiu-se ao último integrante da fila. Chegando perto dele, pareceu-lhe que Theo Garlan estava mais forte, talvez um pouco mais baixo... Bom, nunca prestara atenção direito nele, mesmo. Quando puxou o capuz, dois olhos castanho-escuros o encararam com determinação. Não carregavam a expressão dos outros, de revolta, mas sim de calma e complacência. Meridan, por um momento, inclusive sentiu-se intimidado.

- Então... - disse, recuperando-se do ligeiro momento de surpresa - Encontramo-nos novamente. Que alegria!

Theo Garlan deu-lhe um sorriso amigável.

- Não nas melhores circunstâncias, acredito eu. - respondeu. - Porém, acho que vamos conseguir nos ajudar.

- Eu realmente não vejo como a sua cabeça sozinha poderá me ajudar, a menos que ela continue falando e pensando quando estiver separada do seu corpo. De qualquer forma, não precisamos de nada que vem de você. Queremos apenas um belo exemplo para a população rebelde de Cefurbo. E, claro, cortar o mal que você tem causado ao governo estando entranhado sabe-se lá aonde, confabulando coisas impossíveis. Vamos ver se o seu... grupinho se sustenta. Já vi que pegamos alguns, por aqui. Nada que uma tortura básica não ajude a descobrir a respeito do restante. Eles aqui vão viver um pouquinho mais do que você, Garlan.

- Teremos momentos a sós antes da minha... execução, suponho.

A selva lá fora com certeza deixou esse idiota com as garras afiadas, pensou Meridan. Estava certo, contudo, o plano não era executá-lo imediatamente. Precisavam de todo tipo de informação possível para desestruturar os movimentos rebeldes. Meridan aproximou bastante seu rosto ao de Theo Garlan, extremamente incomodado com a calma que este exalava, e disse:

- Supôs certo. Se isso é bom ou ruim, decida por si próprio. ZION! - gritou, depois de dirigir as duas primeiras frases em sussurros para o prisioneiro. O comandante fez uma continência ao seu lado, mostrando-se alerta. - Encapuze-os novamente, levem-nos para as celas, lá embaixo. Você sabe o caminho para guiar seus guardas, mas, se necessário, solicite a presença dos meus. Dirija-se daqui uma hora ao salão de conselho. Teremos uma reunião antes da cerimônia da noite.

- Mas... o senhor está satisfeito? - perguntou Zion. - Eu sei que fiz um bom trabalho. - sorriu, enquanto apalpava o próprio bícepes. - Torturas, nisso também sou ótimo. Pergunte ao moleque. Estou à disposição para isso quando for necessário.

Meridan rolou os olhos para cima e foi sucinto:

- Desapareça da minha frente, agora.

Crônicas da Nova Era - A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora