Capítulo 20 - Tannis

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Tannis aproximou-se cuidadosamente da cela do homem desconhecido, segurando a arma e apontando para ele. Era um homem de meia idade, alto, robusto, com cabelos aloirados. Tinha um rosto bondoso, porém desesperado. 

- Ele matou minha filha - disse, desalentado.

- Que filha? - perguntou Tannis.

- A minha menina Pam. A minha menina... por favor. Eu tenho que sair daqui. Eu tenho que me vingar. 

Jean olhou em advertência para a irmã. O tempo estava correndo e as opções deles, se esgotando. O guarda poderia voltar a si a qualquer momento. 

- Você sabe sair daqui? Sem passar pelo caminho principal. 

- Sim, eu sei. Eu fui trazido aqui por um caminho alternativo. Que dá diretamente nos aposentos de Meridan. E posso dizer que andei bastante a esmo por esse prédio nos últimos dias. Por favor, eu posso ajudar. Só me tirem daqui. A minha menina... 

Mas Tannis, desajeitadamente, já estava tentando encontrar a chave que abriria a cela do homem. Não tinham escolha. Jean pegara a arma dela e posicionara-se um pouco à frente, pronto para atirar se alguém aparecesse.

A cela se abriu com um estrondo e os três ficaram extremamente nervosos por considerarem a possibilidade de serem ouvidos. Tannis deixou o homem ir na frente e o seguiu, com Jean fechando o cortejo e ainda segurando a arma, apontando veementemente para todos os lados. 

O homem os guiou pelos corredores escuros. Não havia ninguém à vista, por sorte, mas todos se moviam sorretairamente. Não trocavam nenhuma palavra, apenas olhares. Seguiram por vielas cada vez mais estreitas, bem longe das celas, porém, sem saírem do ambiente do calabouço. Tannis nem imaginava que aqueles corredores existiam ali, visto que camuflavam-se totalmente na escuridão. Em determinado momento, tiveram que se abaixar para subir alguns degraus. Instantes depois, arrastavam-se desconfortavelmente de quatro.  

Percebia-se, agora, que provavelmente estavam em um andar mais elevado do prédio. Passavam, inclusive, por algumas pequenas janelas gradeadas que permitiam-se ver alguns cômodos. Salas de documentos. Salas de reuniões. Arquivos. Lucas. 

Tannis parou. No escuro, Jean trombou com ela, o tronco dele batendo dolorosamente contra seu quadril. 

- Ficou louca? - cochichou ele, nervoso. Ande logo! 

O homem, pouco mais a frente, também parou, mas não disse nada. Tannis tentou se posicionar de modo que Jean visse Lucas pelas frestas. Estava sentado em uma cadeira, amarrado, de costas; a cabeça pendendo tristemente em seus ombros. 

- Temos que tirar ele daqui. - disse Tannis. O homem a interrompeu:

- Menina, isso é fora de cogitação. Ele vai morrer. Assim como minha Pam morreu, simplesmente por ter avistado um rosto, uma única vez em sua vida. Por favor, vamos logo. 

- Não posso, ele é nosso amigo. - respondeu Tannis, baixinho.

- Ele não é nosso amigo, - revidou Jean, - e agora não dá para ajudá-lo, Tannis. Por favor, não seja teimosa. Pra tirar ele daí a gente tem que se mandar primeiro. O que você quer que façamos aqui, de quatro, no escuro, escorregando pelo lodo, hein?

- Ouça o rapaz, menina. - advertiu o homem. 

Lucas se mexeu um pouco na cadeira. Talvez os cochichos estivessem chegando até seus ouvidos.

- Tudo bem. Mas precisamos avisá-lo que vamos voltar por ele. 

Tannis apalpou o chão. Encontrou uma pedra lisa, pontiaguda, porém muito pequena. Mirou nas frestas gradeadas. A pedra acertou o ombro de Lucas, que soltou um muxoxo de susto e ergueu a cabeça, atento. 

- Lucas, - disse Tannis, no que julgou ser o volume de voz ideal - aqui é a Tannis. Estamos atrás de você. Não podemos explicar, mas a gente vai voltar e tirar você daqui. Ou de onde você estiver. Você e o Artur. Estamos entendidos? Diga "ai" se você tiver me ouvido. 

- Ai - respondeu o rapaz, com a voz trêmula. 

- Chega, Tannis, - interrompeu Jean - vai logo!

Se moveram novamente arrastando-se no escuro. Poucos segundo depois, ouviram vozes e movimentações violentas provenientes da sala onde Lucas estava preso. Descobrir pra onde o levaram seria uma nova etapa. 

Pelo que pareceu quase uma hora, mas que na verdade foram apenas alguns minutos, continuaram daquele jeito. Até que uma luz apareceu e eles desembocaram um esgoto sujo de uma rua deserta. A luz feriu seus olhos. 

O homem falou:

- Obrigado, jovens. Aqui, despeço-me de vocês. Vou trabalhar para vingar minha filha. E, depois, vou atrás do homem que nos mandou para essa emboscada. Aos olhos de Deus, preciso agir. 

- Espere - disse Jean -, quem é você, afinal? Como é que você sabia como sair daqui desse jeito?

- Um homem corrompido pela ambição e cego pela inocência. Mas ambas já foram perdidas. E eu sabia disso, porque foi por aí que eu cheguei. Minha memória, apesar do desaviso, sempre foi um dom. Agora corram e não se deixem capturar. Meridan prepara uma cerimônia funerária para Viktor Thiegan. E o amigo de vocês vai ser morto como parte do espetáculo. A tribuna principal, de pedra, que dá para a praça. É lá. Não posso ajudá-los mais. Mas segue um conselho: deixem-no para trás. Saiam de Cefurbo o quanto antes e vão para o mais longe que puderem. Isso é tudo.

Levantou-se, correu e embrenhou-se na floresta, deixando Tannis e Jean para trás.

*

Crônicas da Nova Era - A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora