Capítulo 6 - Meridan

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- Theo Garlan? HAHAHAHAHA! É inacreditável! Foi mais fácil do que eu esperava. Ótimo. Mande parabéns a Zion e diga que espero todos aqui. Hoje teremos uma festa, avise aos funcionários de alto escalão e providencie o necessário para uma grande cerimônia com banquete. Quero apresentar para todos a cara desse maldito. Sim, aproveitaremos para enterrar logo Thiegan, também. Já passou da hora. As coisas estão correndo exatamente como eu queria. Agora, vá.

Meridan dispensou o funcionário boboca de Thiegan com um gesto, e ele saiu apressado de sua sala. Acabara de trazer-lhe a notícia de que o traidor do governo Theo Garlan havia sido finalmente capturado. Nunca tinham direcionado guardas para uma busca específica por ele, sempre consideraram que ele ia se mexer o suficiente para ser pego. E foi assim que aconteceu. 

- Tudo como planejado! Eu sabia que os ventos estavam a meu favor. - Meridan falou sozinho, em voz alta. Depois, dirigiu-se até a ala dos aposentos particulares e bateu na porta do quarto de Vernon Gobert. O homem abriu a porta, revelando uma face cheia de sono e um corpo que vestia ainda as roupas de dormir.

- Ora, por favor, Vernon! - exclamou Meridan, entrando no quarto do homem e empurrando-o para trás. - Já é quase hora do almoço e você ainda está assim? Esperava que demonstrasse mais interesse por nossos assuntos agora que está de volta a ativa.

O homem piscou os olhos, tentando espantar o sono.

- Desculpe, temo que perdi o hábito.

- Pois eu tenho certeza de que perdeu. - retrucou Meridan, sentando-se numa cadeira ao lado da espaçosa cama - E digo mais: recupere-o rápido. Os tempos estão mudando efetivamente. Trouxe novidades: capturamos Theo Garlan.

Vernon pareceu confuso. 

- Capturaram...?

Meridan sentiu-se impaciente. Bateu palmas e levantou-se, dizendo irritado:

- CAPTURAMOS-THEO-GARLAN! Faça-me o favor, Gobert, ACORDE! As atualizações do que se passa no mundo real não foram suficientes pra você se localizar? Precisamos de você no conselho. Hoje temos um evento de gala. Tenha a certeza de colocar a senhorita Lorna a par de tudo, pois é através da apresentação da cara ingrata desse traidor que vamos ganhar a confiança de todos dentro desse prédio de vez e começaremos o governo dela a todo vapor. Estamos entendidos?

- Sim, senhor. Meridan. - Vernon ainda parecia confuso e Meridan começou a ficar desconfiado. Atribuía esses lapsos de confusão do guarda ao tempo em exílio e convivência quase que exclusiva com a menina Thiegan, mas agora já estava ficando excessivo. Saiu do quarto de Vernon batendo a porta e pensando em interrogá-lo no dia seguinte. 

Caminhando pelos corredores do grande prédio do governo, lembrou-se do que ainda tinha que resolver. Desceu alguns andares (odiava mortalmente todas aquelas escadas malditas e pensava seriamente em incentivar a implantação de elevadores no local. Aquilo não era um castelo para que ele fosse submetido a esse esforço diariamente), e finalmente chegou às celas. 

Pegou com um dos guardas uma chave grande, preta e enferrujada e se dirigiu à cela de número nove. Ah, como odiava o cheiro daquele lugar úmido e escuro! Destrancou o portão da cela e se dirigiu ao corpo quase inerte encolhido a um canto.

- Pois bem, Hiam. Seu tempo acabou. Tem alguma coisa útil para dizer ou podemos providenciar o seu despacho?

 O corpo se remexeu um pouco no escuro. As paredes mofadas e cheias de musgo verde enojaram Meridan mais uma vez. O eco de uma goteira ao longe servia de trilha sonora para o momento. 

- Não que meu despacho precise ser providenciado... não vou durar muito aqui, é visível. - a voz do rapaz soou rouca, como se estivesse sem uso há muito tempo. Percebia-se também que sua garganta arranhava, seca pela falta de água. Ele arrastou-se um pouco e a fraca luz de tochas no corredor iluminaram levemente sua face macilenta. Meridan deu um passo para trás visando alguma distância e sentindo as entranhas se revirarem em mal estar. 

Hiam estava encovado. Os olhos fundos, a pele macilenta. Carcomido pela fome e pela sede. Meridan estava satisfeito, sim, em contrapartida, não deixou de se assustar um pouco. Fora ele responsável por deixar o homem naquele estado. Morreria rápido, indiretamente por suas mãos. Bom, alguém sempre tinha que fazer o serviço sujo. O rapaz falou novamente:

- Eu me lembrei de uma coisa, sim. Não que eu tenha a esperança de me salvar com isso, enfim... - tossiu e cuspiu uma gosma amarelada no chão negro de concreto. - Tinha um garoto, na sede do meu bando rebelde, quando cheguei lá para cumprir suas ordens. 

Aquilo captou de imediato a atenção de Meridan. 

- Garoto?

- Sim... uns onze, doze anos, talvez. E chegou lá por uma falha dos rastreadores. Sei que você já consertou isso. Sei que agora pouco importa. Mas era uma criança. Pense em quantas mais... - outro acesso de tosse. Ele rolou pelo chão e se encolheu a um canto. Meridan respirou fundo. 

- É, talvez você tenha sido útil de alguma forma. - saiu da cela, deixando-a aberta. O fim do rapaz tinha chegado. Ao sair da área de prisão, Meridan entregou um pequeno frasco arrolhado para um guarda, recomendando que fosse misturado em água e levado a Hiam. Se ele não quisesse ou conseguisse beber, deveria ser forçado. 

Subiu novamente para sua sala, ampla e cheia de papéis, ainda com a personalidade de Viktor Thiegan imprimida. Tinha preparado uma sala específica para Lorna, porém esquecera-se de que ali, agora, era também o seu lugar. Anotou algumas ordens a respeito e chamou um mensageiro, que encaminhou aquilo para a área de serviço do prédio do governo. Pouco tempo depois, ouviu uma batida na porta. Sentado em uma poltrona de veludo vermelho, ordenou:

- Entre.

Novamente, era o funcionário idiota de Thiegan. Por mais que se sentisse irritado ao ver a cara do homem, Meridan nunca lembrava-se efetivamente de dispensá-lo. Ele suava, ostentando uma careca brilhante, e tinha os olhos nervosos e agitados. Meridan percebeu que havia algo errado de imediato.

- Fale logo.

- Senhor... temo que tenha trazido más notícias. 

- Fale. Logo.

- É... lá fora... a população... bom... a população está se rebelando, é isso. Descobrimos grupos de investigação formados por pessoas que tiveram parentes capturados pelos rastreadores, sejam do primeiro lote ou não. Informações trazidas por guardas. Os de alta patente, que sabem dos esquemas do governo, começaram a prestar atenção no buchicho. Os sumiços finalmente chamaram a atenção pela frequência e quantidade. Acredito que o senhor terá que enfrentar um motim, em breve. Eles... bem... desconfiam do governo. Desconfiam do senhor. Vão confrontá-lo durante a cerimônia funerária de Viktor Thiegan e da apresentação da senhorita Lorna.

Meridan sentiu a pouca cor de seu rosto se esvair. Com tantas coisas acontecendo, ele deixara mais uma vez aparecer um rombo em todo seu plano. Teria que costurá-lo agora, com urgência. A numerosa quantidade de pessoas em Cefurbo, Ponta Quebrada e vilas próximas poderia derrubar o governo. Era hora de agir.

- Convoque o conselho. - disse, sem titubear. - Mas mantenha a organização para o evento normalmente. 

Crônicas da Nova Era - A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora