Capítulo 19 - Tannis

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Enquanto ficaram trancafiados em uma cela escura ao lado de um cadáver em decomposição por horas, Tannis e Jean já tinham um plano engatilhado. Iam salvar Lucas e o pequeno Artur a qualquer custo. Sim, Tannis demorara um pouco a convencer o irmão a  embarcar nessa. 

Sabia que ele detestava Theo Garlan, é claro. Mas sabia que, se fosse ele ali realmente, e não Lucas, Jean não hesitaria em tirar o rival da ponta da faca. Existem coisas na vida que eram mais importantes que pequenos desentendimentos. E foram esses os argumentos usados por ela para convencer o irmão mais velho de que era realmente importante, além de salvarem a si mesmos, tirarem os outros dois dali. Jean aceitara - mais por ela do que por qualquer outra coisa.

Tannis nunca gostara realmente de se envolver nos assuntos d'O Bravo Manifesto. Mas ela e Jean eram orfãos, pobres e tomavam conta do próprio nariz há muitos anos e sempre juntos. Não quis desprender-se dos ideais do rapaz quando eles começaram a tomar cor e forma. Fazia o que podia, mas seu coração não estava realmente ali. O irmão agora retribuiria tudo isso.

Quando Theo chegou, uma chama acendera-se no peito dela mostrando que talvez pudesse ter algo que valesse realmente lutar. E aquilo era tudo. Então, ao conhecer Lucas, Tannis pensou que ele poderia ser a chama de alguém. Talvez de Artur. Talvez valesse a pena tentar envolver aqueles dois grupos de manifesto e ir contra o governo, tentar acabar com isso tudo, ter sua vida de volta. Tinha certeza de que era o que o menino queria. Era o que ela queria. 

- EI!!! ALGUÉM!!! ALGUÉM AQUI?? EI!!! - berrou ela a plenos pulmões, a voz ecoando pelas paredes frias das celas subterrâneas. 

- EI! ALGUÉM?? - Jean endossou a gritaria, sacudindo as grades sem sucesso. Elas eram firmes, frias e largas. 

Provavelmente gritiaram por horas a fio, sem parar e sem perder as esperanças. Quando a rouquidão começou a atingi-los, bem como o cansaço e a sede, ouviram passos ecoando até eles. Um guarda robusto e bigodudo, com as orelhas vermelhas de fúria, parou em frente a cela deles manejando uma arma parecida com uma escopeta entre os dedos. Cuspiu:

- Que diabos! Vocês não se cansam? Estamos todos ocupados com eventos maiores, calem-se de uma vez por todas.

- Eu não posso - respondeu Tannis - Eu não vou conseguir ser uma cumpridora da lei estando nessa cela com um cadáver! - e chorou, apontando para o corpo fétido no canto da cela. 

- Isso faz parte da punição de vocês. Ele também era um traidor rebelde. 

Tannis e Jean se entreolharam. Então Meridan já estava atrás de pessoas como eles há muito tempo, se o que o guarda disse fosse verdade.

- Mude a gente de cela, senhor. - Jean tinha uma capacidade impressionante de ser polido e convincente quando queria. - Ou pelo menos, mude minha irmã. Isso é demais para ela. É só uma menina!

O guarda aproximou-se das grades e disse, firme e grosseiro:

- Eu não me importo. - e encarou Jean. - A menos que eu ganhe algo com isso. E vocês não têm nada a me oferecer. Agora, calem essa boca. Ou vocês vão ficar exatamente igual a essa carniça aí antes do previsto. - E virou-se para ir embora.

- Espere! - gritou Tannis - Nós temos algo a oferecer, sim. Pelo menos eu tenho. - O guarda, desconfiado, voltou até a grade, andando de ré. Não olhou para eles, de modo que Jean e Tannis o visualizavam somente de perfil.

- Sim?

- Eu posso contar tudo o que sei a respeito dos rebeldes. Tudo. E você pode dizer a Meridan que obteve as informações sozinho. Conseguir um aumento, um bom cargo de confiança, talvez? Glória, ser um exemplo para os cidadãos? 

- Por que você acha que quero isso, pirralha? Eu já tenho uma posição de prestígio aqui. Sou do alto escalão de segurança. - respondeu o guarda, sem se mexer.

- Bom, mas você não quer mais que isso? Quão prestigioso é, realmente, ficar zanzando por esses corredores úmidos e solitários supervisionando prisioneiros muito mais fracos e impotentes? Que trabalho realmente damos a você? É um trabalho meio... fácil, não acha?

Bingo. O guarda fora atingido exatamente no centro de seu orgulho. Parecia ponderar; era o que mostrava seu cenho franzido.

- Sabemos, - completou Jean - que as atenções de Meridan não são facilmente adquiridas. Você conseguiria isso fácil se nos ajudar. E, tem mais: nosso pouco tempo aqui já foi suficiente para que não tenhamos a menor vontade de continuar dessa maneira. Pretendemos nos render e nos juntar a vocês. 

- Contem primeiro o que quer que seja. Depois que eu avaliar, vejo a possibilidade de trocar vocês de cela.

- AH, PELO AMOR DE DEUS! - berrou Jean. A sua característica falta de paciência tinha vencido por um momento. Tannis o controlou com um olhar nervoso e ele recolheu-se ao fundo da cela. A garota aproximou o rosto do guarda por entre as grades. Ficando na ponta dos pés, falou no ouvido dele:

- Por favor, sim? Nos transfira daqui antes. É um pedido muito pequeno perto do que podemos oferecer. Falaremos tudo quando estivermos em segurança. Certifique-se de que ninguém perceberá nossa movimentação e o crédito será todo seu. 

O guarda tirou as chaves do bolso. Procurou a correta por um momento e pôs-se a girá-la na fechadura. Apesar de estarem com as mãos algemadas, não estavam impossibilitados de agir. Tão logo a porta se abriu, Tannis afastou-se da porta e Jean, como um louco feroz, correu em direção do guarda e jogou-se sobre ele, que deu um grito abafado ao ir de encontro com a parede. 

Com uma cotovelada no estômago, Jean o derrubou no chão. Tannis, com um pouco de dificuldade, recolheu o maço de chaves do chão enquanto Jean continuava a espancar o guarda da melhor maneira possível. A arma que ele segurava durante a conversa já tinha voado para longe, e Tannis não hesitou em recolhê-la também. Ficaram um tempo em silêncio para ver se ouviam alguma movimentação ao longe.

- E agora, Tannis? Como a gente dá o fora daqui? - perguntou ele, em um sussurro ofegante. Era uma parte do plano que não fora discutida. Não poderiam simplesmente sair pela porta da frente e não conheciam os atalhos. 

Há algumas celas de distância, uma mão masculina colocou-se para fora da grade. Os irmãos não demoraram a ouvir uma voz rouca dizer:

- Garotos. Me tirem daqui. Eu posso ajudar vocês.

 

 

Crônicas da Nova Era - A RevoluçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora