4 - Cismou comigo

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— Padre, eu não vou ficar para a missa das 18h, então eu só vou ajudar a organizar algumas coisas e vou voltar para casa. Quero ir cedo para evitar andar à noite — Cláudia não trabalhava todos os dias da semana e, como tinha ficado na igreja naquele sábado, queria ir para casa.

— Faz bem, minha filha. Não fica andando por aí de noite. Ainda mais agora que sabemos que está mais perigoso andar à noite.

— Padre, porque o senhor me pediu para dormir aqui? Como sabia que era perigoso?

— Cláudia, mataram um homem aqui perto. Teve até policial te abordando na rua.

— Aquele policial que falou que sentiu cheiro de desonesto? O senhor acha que ele é um... — ela se interrompeu antes que a palavra saísse. Não conseguiu dizer a palavra. Talvez, ainda não fosse capaz de assumir a existência de criaturas que não fossem humanas.

— Não fica pensando coisas. Vai lá terminar o que tem que fazer — o padre tentou encerrar o assunto, como tinha feito na outra vez. Mas dessa vez ela não deixaria. Tinha outro deles esperando por ela dentro da igreja e ela ainda não tinha decidido se contaria ao padre.

— Padre, fala comigo. Eu perguntei se o senhor acha que aquele policial é um deles.

— O que tu acha, querida? Assassinatos acontecem todos os dias e os policiais não saem abordando as pessoas na rua daquela forma. Muito menos dizendo que farejam desonestos.

— E por que eu?

— Do que tu está falando?

— Por que aquele policial cismou comigo?

— Deve ter sido só porque tu passou ali na hora que ele estava. Só isso.

— Mas hoje veio outro. Ele veio falar direto comigo.

Cláudia percebeu quando o padre Júlio arregalou os olhos.

— Teve outro aqui? Quando? Agora?

— É. Foi pela manhã.  Ele me procurou pelo meu nome e perguntou se eu tinha visto algo estranho. O mesmo que o outro tinha perguntado. Eu disse que outro homem já tinha vindo aqui ontem e ele já sabia, disse que era amigo dele.

O padre permaneceu mudo, mesmo depois que ela parou de falar. Levou o que pareceu horas para que o padre Júlio falasse.

— Talvez seja melhor tu passar a noite aqui de novo. O bispo Graff está vindo para a missa das 18h, mas ele chegará um pouco antes. Eu vou conversar com ele sobre isso, mas por enquanto é melhor que tu permaneça na igreja.

— Ah, não, padre! O bispo não gosta de mim. Esse homem é implicante e asqueroso.

— Não fale do bispo desse jeito. Tenha respeito por um homem que dedicou a vida ao sacerdócio.

— E não tem motivo para que eu passe outra noite aqui. Eu vou sair no meio da tarde. Vou usar a roupa que estava ontem e a Vera nem vai precisar vir.

— Não seja teimosa, guria.

— Padre, eu já passei uma noite aqui e não vou passar outra. Não com o bispo Graff aqui. Eu saio no meio da tarde, quando ainda é dia e tem bastante gente na rua. Assim não vou correr risco.

— Eu não sei. Se esses desonestos estão na volta e já te enxergaram, pode não ser seguro para ti sair nem durante o dia.

— Padre, eu sou só uma funcionária da igreja. Não estou disposta a me tornar uma prisioneira dela — ela saiu antes que o padre Júlio pudesse responder, deixando o padre mais nervoso que nunca.

A Loba Ferida - Livro 3 da série Lobos do SulOnde histórias criam vida. Descubra agora