A Loba Ferida - Livro 3 da série Lobos do Sul

2 - Cheirinho de desonesto

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— Cláudia, pretende sair essa noite? — perguntava o padre Júlio.

— Ainda não decidi. Por que?

— Como não sabe? Vai ou não sair? Bom, não importa. Fique dentro de casa. Não saia hoje.

— Porque não?

O padre balançou a cabeça e suspirou.

— Se puder dormir na igreja, eu prefiro. Aquela cama que tu usou naquela vez continua disponível. Eu prefiro que fique aqui.

— Por que, padre?

— Aqueles vampiros renegados que tu fez amizade. Eles estão na região. Não quero que corra o risco de eles te encontrarem.

Cláudia estremeceu e baixou a cabeça. Lembrou da outra vez que o padre tinha dado esse mesmo aviso e ainda assim ela saiu para ir numa festa, onde conheceu alguns rapazes. Eles eram diferentes dos demais, tinha algo diferente neles que não dava para definir o que era. Cláudia ficou com um deles. O nome dele era Arthur. O encanto acabou quando, durante o beijo, Arthur lhe mordeu o lábio inferior. A mordida foi tão forte que lhe cortou o lábio e tirou sangue, parecia que tinha uma navalha entre os dentes. Com dor, ela tentou empurrar Arthur para longe, mas ele riu e a segurou com força enquanto a beijava. Arthur curtiu sentir o seu sangue na boca e se divertiu mais a vendo se debatendo tentando se soltar. Só depois que passou a dor ela conseguiu se acalmar, ainda nos braços dele. Ele ficou com ela o resto da festa, não estava disposto a soltá-la. Cláudia continuou com ele, porque viu que não teria chance de lutar contra ele e ali ninguém a ajudaria. No fim da festa, ele lhe pediu o número para que pudesse fazer contato, queria sair com ela de novo. Ela não raciocinou, pode ter sido por causa da bebida, mas passou o número para ele. Os números saiam de sua boca de forma automática. Como se estivesse hipnotizada. No outro dia, o padre lhe perguntou como tinha machucado o lábio. Ela tentou mudar de assunto, mas ele insistiu. 

Foi assim que Cláudia soube da existência de vampiros, renegados, lobisomens, desonestos e outras criaturas. Hoje o padre sempre fala para ela quando sabe que essas criaturas estão por perto para que se cuide. Os renegados só são um risco à noite. Os desonestos até podem sair na luz do sol, mas normalmente atuam à noite. Cláudia ainda não tinha se encontrado com desonestos, não que soubesse, mas, secretamente mantinha contato com Arthur. Não entendia o porquê, mas sentia que precisava disso. Não sabia se era pelo perigo, pela emoção... sim, certamente envolvia uma emoção que ela não compreendia, mas necessitava. Ele já não fazia questão de esconder que era um renegado. Será que era isso?, se perguntava. Para uma mulher como ela, sem nada na vida, qualquer emoção podia ser considerada algo grande que ela tinha. Talvez, ali estivesse o alívio para o seu sofrimento, para seu tormento. Às vezes se encontravam à noite na Praça Central* da cidade com outros amigos. Arthur nunca lhe fazia mal de verdade. Ele gostava de se divertir com ela, às vezes até a machucava, como quando lhe mordeu o lábio, mas tinham chegado a um acordo sobre não deixar marcas visíveis, assim ela não precisaria se explicar para o padre Júlio. Com Arthur ela parecia estar despertando um lado masoquista e Arthur se aproveitava disso. Ele às vezes fazia perguntas que ela não compreendia. Insistia em perguntar se ela tinha algum companheiro e sempre dizia que ela mentia sobre ser solteira.

— Não. Não tenho nada planejado para hoje à noite. Vou ficar em casa curtindo a companhia agradável da Vera — ela respondeu irônica.

— Eu prefiro que fique aqui. Tu sabe que, desde que aquele renegado tomou o teu sangue, tu pode ter virado um alvo. Conhecendo o teu sangue ele pode te encontrar. Aqui na igreja tu ficará mais protegida.

— Padre, mas tu acredita mesmo que existem essas coisas? São só uns abobados que gostam de se aparecerem.

— Filha, leve a sério isso. Essas criaturas existem e são perigosas.