HARRIET SPENCER
Olho o celular pela última vez, estava quase na hora da minha entrevista e eu precisava me lembrar, a cada segundo. Lembrar daquelas palavras que me foram tão necessárias no passado, de alguém que não está mais aqui. Estou fazendo isso por ele. A tela se apaga e vejo meu reflexo no vidro do pequeno aparelho, dou um sorriso honesto pra mim. Chegou a hora de brilhar.
Londres estava como todos os outros dias: nublado e cinza. Abro a porta do carro, meu velho Mustang '67, que foi uma herança do meu pai. Aperto o alarme e começo a caminhar em direção ao prédio antigo todo restaurado que fica no coração de Londres, onde a McLaren faz morada desde a sua fundação. Eu estudei tanto para essa entrevista que poderia dizer que a tradição é o sobrenome deles e eu estou aqui pra provar que também faço jus a esse valor.
Uma loira me recebe na recepção, me levando para uma ampla sala no décimo quinto andar. Quando a assistente abre a porta pra mim, vejo dois homens sentados conversando em um tom baixo que quase não consigo ouvir, enquanto folheiam algumas folhas. São os dois principais executivos, Patrick Smith e Alan Clinton. Assim que nos veem, os dois interrompem o que quer que estivessem falando e recebo um sorriso de cortesia. Eles vão querer me fazer desistir, mas vou permanecer firme.
Eu sempre tive noção que trabalhar na Fórmula 1 não é uma coisa pra qualquer um e me preparei por muito tempo pra isso, pra esse emprego. Se candidatar para uma vaga de Relações Públicas foi, de certa forma, uma ousadia da minha parte. Mas eu queria me sentir perto de quem me fez amar tanto esse mundo, pelo menos de alguma forma. Então, pra me acalmar, começo a repetir na minha cabeça, rapidamente, o mantra que criei para o dia de hoje: eu gosto de regras, gosto de mandar, sou organizada. Não tem por que não me darem esse emprego. Dou um sorriso de volta.
— Senhorita Spencer — Patrick se levanta e estica uma das mãos pra mim —, que bom que você veio.
Me sento e começamos uma conversa descontraída a respeito do meu interesse em trabalhar para a McLaren. Ele faz questão de rever os valores da empresa, explicar qual é exatamente o trabalho ao qual estou me candidatando.
— A senhorita sabe que viajaremos muito o mundo, certo? — Patrick pergunta e eu balanço a cabeça, concordando. — Isso não pode ser um impedimento em nenhum momento.
— Eu estou ciente dessa parte, senhor — falo de forma polida, junto minhas forças para não soar triste. — Eu não tenho ninguém pra quem voltar, se é o que o senhor gostaria de saber.
Ele esboça um sorriso, talvez interpretando como uma piada, mas é verdade. Depois que o meu pai se foi, não restou nada. Só a mim.
— O que a senhorita diria que é a sua maior qualidade?
— A organização — falo prontamente. — Eu gosto de ser uma pessoa organizada, acho que isso facilita a vida, principalmente quando você tem que cuidar não só da sua rotina, mas da rotina de uma outra pessoa. Encaixando todas as tarefas que ela decide fazer no dia. É tão parte do trabalho quanto executá-lo de fato...
— E você tem razão!
Continuamos conversando e notei que o homem mais velho, Alan, ainda não disse nenhuma palavra. Ele só observava com uma atenção impressionante.
— O maior problema são as viagens e já que isso não é um problema pra você, isso te torna a melhor candidata para esse emprego — Patrick continua e isso me faz sorrir genuinamente. — Inclusive, gostaria de dizer que o seu currículo é...
— Interessante — Alan fala pela primeira vez. — Você é uma moça inteligente, frequentou bons colégios, teve sucesso em todos os outros trabalhos que teve. Fiquei intrigado das suas motivações para trabalhar com Fórmula 1...
Respiro fundo, talvez agora seja o momento de ser mais pessoal na minha resposta.
— Eu gosto, mas não sou uma grande fã de Fórmula 1, se é o que o senhor gostaria de saber — começo —, isso sempre foi a paixão do meu pai e ele era tudo o que eu tinha, até não ter mais. Estar nesse mundo é estar perto dele de alguma forma e não vejo por que não tentar. As corridas são eletrizantes, isso não dá pra negar.
Os lábios dele se curvam discretamente, mas o sorriso desaparece depois de alguns segundos.
— Até agora, você tem tudo para ser contratada, senhorita Spencer — Patrick informa e sinto um calor se iniciar no meu peito, eu estava quase lá.
— E o que mais é necessário? — pergunto, percebendo o desconforto dos dois.
Alan puxa a pasta de couro que está em cima da grande mesa para mais perto e dela tira um conjunto de papéis.
— Para que contratemos você, precisamos que assine um contrato com uma clausula especial... — ele diz, como se isso não fosse nada demais. — Precisamos que você se comprometa a não se envolver romanticamente com o seu piloto, que é a sua responsabilidade.
Então era isso? Ele acha que eu vou me render ao charme de alguém que está sob a minha jurisdição? Tudo bem que os pilotos sempre serão as estrelas, mas o que o faz pensar que eu faria isso? Resisto a vontade de revirar os olhos e balanço a cabeça novamente, concordando.
— Eu não estou em busca de um namorado, senhor — falo de forma firme. — Esse emprego vale muita coisa pra mim para desperdiçá-lo com um homem...
O sorriso que aparece no rosto dele agora é a minha resposta, acompanhada de um pedaço de papel e uma caneta. O emprego é meu.
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treacherous | lando norris
FanfictionHarriet Spencer é uma garota determinada que sabe o que quer e sabe o que fazer para conseguir. Quando se viu sozinha no mundo, resolveu se candidatar para uma vaga de emprego na McLaren por que isso a fazia se sentir mais próxima de seu pai que sem...