the difficulty

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HARRIET SPENCER

A temporada se iniciou de forma estonteante. Todos queriam conhecer Lando Norris e eu tinha cumprido meu trabalho de fazer com que ele parecesse a pessoa certa para representar a McLaren. Nós dois estávamos ganhando e é só isso que importa.

Enquanto as câmeras estavam apontadas pra nós, eu e ele nos comportávamos como se existisse uma harmonia de equipe impressionante mas, assim que saíamos dos holofotes, o tempo ficava completamente nublado. Eu não fazia questão alguma de ser simpática e ele não se importava de quebrar a maior parte das regras que eu o submetia.

Agora, parada na porta da academia em companhia do Paul, o personal da equipe, encaro o relógio mais uma vez. Ele tem cinco minutos. Uma parte de mim está torcendo pra que ele se atrase e eu possa finalmente explodir como estou ensaiando a dias. Não me leve a mal, não é como se eu quisesse descontar nele todas as minhas frustrações de forma totalmente gratuita, o grande problema é que meu trabalho é mandar e ele tem uma enorme dificuldade em fazer o trabalho dele que é obedecer.

Pego o celular e revejo as publicações que recebi na madrugada. Inúmeras foto do Lando em uma balada próxima do hotel, agarrado com garotas, rodeado de bebidas, sorrindo como se o mundo fosse acabar exatamente na noite de ontem. Não importa quantas vezes eu o alerte, quantas vezes eu lhe dê sermões sobre descansar e poupar o corpinho lindo que ele tem para que Paul gaste toda a energia dele às cinco da manhã de cada dia. Ele teima em não obedecer e esfregar na minha cara que esse esquema não só é possível, como ele faz questão de nunca se atrasar para os treinos, conferências ou compromissos com a McLaren ou comigo.

Apesar disso, eu só estou esperando o primeiro deslize dele. Um minuto para as cinco. Será hoje esse dia? Dou um sorriso pra mim mesma.

Vou pegar uma garrafa de água — Paul anuncia e vai caminhando pela porta da copa.

Relaxa, a gente nem sabe se ele vai aparecer na hora... — respondo com um tom debochado.

Acho que hoje não é o seu dia de sorte, Harriet — ouço a voz afrontosa dele vindo do outro lado da academia.

Reviro os olhos e me movimento para dar as boas vindas ao meu piloto. Estico um dos braços para pegar a mochila dele e o outro para apertar a sua mão, como sempre faço antes de todo treino.

Pelo menos tem uma regra que você não desrespeita, não é, Norris?

Você não percebe, mas eu faço tudo por você...

Lando mostra a língua pra mim e assim que me entrega a mochila vai até a bicicleta ergométrica, começar seu aquecimento. Eu pego o jornal que está em cima da mesa de Paul e folheio devagar, não querendo demonstrar que estou completamente desinteressada nas letras miúdas e maluca pra perguntar pra ele sobre a festa de ontem.

A festa de ontem foi boa? — questiono sem cerimônia, virando uma página devagar sem tirar os olhos do papel.

Que festa? Não fui a nenhum lugar ontem, estava dormindo tranquilo no meu quarto...

A essa altura do campeonato, sei que ele está fazendo isso pra me provocar. Desvio os olhos do jornal e encontro os dele que riem silenciosamente e de forma divertida.

Você não devia agir como se não soubesse do que eu estou falando — comento —, acha que Alan vai gostar de saber que existem fotos por aí de você no meio de duas garotas seminuas?

Ele ri de uma forma espontânea e enche o ambiente de uma alegria jovial e que seria bem vinda em qualquer ocasião se agora não fosse quase tóxica.

Alan quer apenas uma coisa — Lando debocha —, que eu faça a McLaren grande de novo. Me tornar conhecido faz parte disso.

Achei que o objetivo era você ser conhecido como o melhor da temporada e não como um gigolô — agora é minha vez de rir. — Mas se você se contenta com isso... não há nada que eu possa fazer.

Lando abre a boca pra falar, mas no minuto seguinte Paul está entre nós e a troca de farpas cessa por um bom tempo, afinal, temos que manter o nosso garoto em forma.

Enquanto Lando e Paul realizam os exercícios juntos, aproveito para realizar o meu próprio treino. Se acordei tão cedo, por que não utilizar meu tempo da melhor maneira possível? Depois daqui, vai ser um dia cheio de entrevistas e atividades no simulador antes de finalmente termos a primeira corrida.

A farra de Lando tem data e hora pra terminar, quando as corridas começarem não vou mais admitir esse comportamento adolescente vergonhoso da parte dele e sinto que teremos uma grande dificuldade de nos entendermos nesse aspecto já que tudo que ele faz é não levar minhas ordens a sério.

Enquanto puxo peso com as mãos em um exercício que sou incapaz de lembrar o nome, minha mente se inunda com possibilidades e sugestões de como posso domar o espírito livre de Lando Norris. Mas nenhuma solução parece boa ou eficaz.

Aumento dois quilos no aparelho e sinto o suor escorrer pelas minhas costas devagar. Procuro Lando pelo reflexo do espelho que está bem na minha frente e sou surpreendida ao vê-lo me encarando de forma curiosa.

Pepo tinha razão, apesar de tudo, Lando e eu temos uma sinergia diferente dos demais e sinto que podemos enxergar um ao outro como se estivéssemos nus em uma sala fechada. É por isso que ele sabe até que ponto me provocar e por isso que eu sei até onde posso pressioná-lo.

Talvez a melhor forma de fazer isso dar certo seja dar uma chance para esse sexto sentido que nos une.

Decido fazer um teste. Deixo um sorriso escapar, observando a reação dele pelo reflexo do espelho. Lando não está acostumado com atitudes minhas sendo simpática, mas imediatamente ele sorri de volta pra mim, de forma que até seus olhos parecem estar um pouco mais felizes, enquanto faz os agachamentos que Paul fiscaliza minuciosamente.

O primeiro passo para vencer a dificuldade será fazer esse garoto entender o seu lugar no mundo e que o meu trabalho é transformá-lo em uma estrela. Que, modéstia parte, eu sei fazer muito bem.

O segundo passo será ativar nele essa conexão que sei que temos naturalmente e já estou preparada para ultrapassar alguns limites se for necessário pra manter ele na palma da minha mão.

O terceiro passo será resistir, em toda e qualquer situação, à amizade dele. Lando exala uma energia de proximidade, quase magnética, e apesar de sermos obrigados a termos um laço mais estreito, eu preciso que seja apenas profissional.

Quando termino meu treino, caminho até o bebedouro e encho um copo de água gelada, bebendo-o de uma vez. Só percebo que não estou só quando vejo Paul sair por uma das portas opostas da academia.

Um toque gelado segura meu cotovelo de forma suave e meu olhar se encontra com os olhos brincalhões de Lando.

Pegou pesado hoje, ein senhorita Spencer? — ele fala e mantém a mão no meu braço casualmente, acariciando de forma lenta com os dedos. — Cuidado, dessa forma você vai virar a mulher mais fatal do paddock.

Isso foi um flerte? Estreito meus olhos e ele enche um copo de água pra si próprio.

O que quis dizer com isso?

Que todo mundo gosta de uma mulher bonita por cima — o sorriso dele ganha espaço —, entenda isso da maneira que você preferir.

Ele me dá as costas e sai da academia. Sinto a pele onde ele me tocou formigar de leve e relembro a mim mesma por que estou neste trabalho.

Se ele já acha que tem intimidade pra esse tipo de comentário, imagine se formos mais próximos. Isso está totalmente fora de cogitação. 

Então deciso seguir meu plano: mostrar a ele seu devido lugar e impulsioná-lo rumo as estrelas se for necessário, potencializar a nossa conexão profissional e, em hipótese alguma, deixar Lando Norris conhecer minhas fraquezas e se tornar meu amigo.

treacherous | lando norrisOnde histórias criam vida. Descubra agora